Memórias de escolarização e profissionalização: das professoras que tive à profissional que me tornei, Ligia de Carvalho Abões Vercelli e Nádia Conceição Lauriti (Orgs.). Jundiaí, São Paulo: Paco, 2022. 216p

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5585/42.2022.23010

Palavras-chave:

escolarizaçao, memórias, educação

Resumo

O livro é fruto de estudos do Grupo de Pesquisa sobre Educação Infantil e Formação de Professores (Grupeiforp), coordenado pela Professora Doutora Ligia de Carvalho Abões Vercelli, vinculado ao Programa de Mestrado Profissional em Gestão e Práticas Educacionais (Progepe), da Universidade Nove de Julho (Uninove). Está organizada em 12 capítulos, escritos por professores e gestores de escolas de educação infantil de diferentes redes de ensino da grande São Paulo.

Ligia de Carvalho Abões Vercelli e Nádia Conceição Lauriti, organizadoras da obra, são doutoras em Educação e docentes do Programa de Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais da Universidade Nove de Julho (Progepe/Uninove).

Devido ao período de pandemia do Coronavírus e consequente isolamento social, professores e gestores foram obrigados a organizar o trabalho com as crianças por meio das telas de celulares e computadores. Assim, esse novo cenário de muitos conflitos e emoções faz emergir lembranças dos tempos do período de escolarização, com a reflexão de que elas estão presentes em suas práticas profissionais atuais.

Na compreensão dessa constituição de identidades, os autores trouxeram exemplos, situações e reflexões, para não mais reproduzi-las, por trazerem marcas de um modelo autoritário e opressor de escola, em que o sujeito criança não era considerado em suas especificidades, tampouco seus contextos de vida. Ou ainda, lembranças para serem cultivadas num lugar de estima e admiração, por serem parte de relações humanizadoras e que os marcaram positivamente.

O primeiro capítulo, “Tempos de lembrar: das nossas professoras da infância às gestoras que nos tornamos”, de Adriana Costa Santos e Daniela Ruiz, traz as memórias das autoras, no início do antigo ensino primário, entre os anos 1970 e 1980, sem antes terem vivenciado a etapa da educação infantil. Recordam punições, além de atividades que priorizavam os treinos motores, o rigor da disciplina, o choro silenciado, a ausência de brincadeiras, e de passarem muito tempo sentadas. Apoiam-se nas teorias de pesquisadores que trazem a dimensão pessoal para construção da identidade profissional, influências que hoje, são compreendidas como parte do desenvolvimento integral dos estudantes, só possíveis em relações mais humanizadoras e horizontais entre os que ensinam e aqueles que aprendem.

No segundo capítulo, “Memórias: o deciframento de uma geração (re)inventada”, de Amanda Maria Franco Liberato e Claudemir Cunha Lins, trata-se do processo de escolarização num modelo tradicional, porém em diferentes redes de ensino, público e privado. Nesse período, tem-se uma pré-escola vivida no início dos anos 1990, num contexto de propostas educativas que se davam pela repetição, memorização, coordenação motora, normalmente em folhas mimeografadas, para seguirem o modelo. Relembram que na primeira série o foco do aprendizado estava nas letras da cartilha e frases descontextualizadas da realidade das crianças. Entendem que significar esses contextos é buscar uma profissionalização que reflete e investiga a própria ação, a que considera o educando não mais mero espectador, mas sujeito ativo, curioso, dotado de repertórios vivenciais e simbólicos.

O terceiro capítulo “Uma profissional que escreve: rememorando onde tudo (provavelmente) começou”, de Angélica Furtado de Almeida, é permeado pelo relato sobre o um trabalho profissional e acadêmico, ligado à temática de registros, especialmente no período em que a autora atuou como coordenadora pedagógica e atualmente, como professora da graduação. Rememorando seus percursos com os registros, traz do período como estudante do ensino fundamental, a lembrança da elaboração de cartas, prática que retomou em seu curso de pós-graduação e que considera ser de grande importância para o processo de analisar o passado e pensar em ações futuras. Avalia que a escrita é a sua principal forma de aprender e ensinar e que a valorização dela está para além de um fazer burocrático, caminho de uma busca autoral, especialmente para os professores que, ao lidarem com os escritos dos seus estudantes, devem buscar a sensibilidade desse contato com o universo do outro e dos percursos que carrega consigo.

Ao iniciar o quarto capítulo “Uma professora que me inspirou: memórias repletas de carinho e gratidão”, Ligia de Carvalho Abões Vercelli, traz a reflexão de que o passado é algo que não se apaga, fazendo-nos agir no presente de maneira consciente ou inconsciente. Relata que nesse processo de busca na memória, depara-se com o início de sua escolarização, que é marcado por muitas dificuldades, com situações de constrangimento e de baixa autoestima, pelas ações de repreensão por parte de sua professora. Num contraponto, traz, do curso de Magistério, a lembrança da professora “Clarinha”, da disciplina Psicologia da Educação, que a deixou com marcas de estima e admiração, pela maneira afetuosa como tratava suas alunas. Deste tempo, rememora que sua professora articulava teoria e prática, o que a fez buscar novos estudos e atuação na área da Psicologia. Ao tecer os fios da memória afetiva que a leva à própria docência remonta a influência das (os) professoras (es) que teve, para a sua identidade e constituição profissional, com exemplos do fazer e do não fazer.

No quinto capítulo “Entre ritmos, melodias e postura profissional: a professora que me tornei”, Luciana Ramalho Santana Mandu retoma seus tempos de escola, com memórias permeadas por admiração e carinho, e de maneira especial, retoma duas educadoras, nas quais identifica marcas significativas para a professora que se tornou. Inicia seu relato ao relembrar os tempos da 3ª e 4ª séries do ensino primário e da professora Maria Aparecida, que gostava de ensinar aos alunos a linguagem musical, ensaiá-los para festas, influenciando no seu gosto musical, o que foi um incentivo para que ela aprendesse a tocar um instrumento, o que posteriormente em sua atuação profissional, tronou-se um meio de se comunicar com os pares, alunos e equipes, ao assumir a gestão escolar. Utilizando-se desse repertório como estratégia de acolhimento, integração e disparadora de reflexões em diferentes momentos formativos.

O sexto capítulo, “Silêncios e silenciamentos: como dois professores auxiliaram na percepção do meu fazer profissional”, de Luciana Dias Simões, apresenta reflexões sobre silenciamentos de sua infância e percurso escolar, temas despertados a partir da leitura de três livros: Quando me descobri negra; Libertação, descolonização e africanização da Psicologia; Do silêncio do lar ao silêncio escolar; fazendo menção ao racismo estrutural e institucional, que permeiam suas memórias, e que estavam despercebidas ou apagadas. Reflete que, na época em que estudou, as questões étnicas eram invisibilizadas pela escola e sociedade com o ensinamento de que os deveria controlar seu comportamento perante o que ouvia e sentia. Entende que sua tomada de consciência sobre o racismo e o preconceito deu-se na medida em que os estudos e discussões coletivas afetaram sua constituição identitária, para então, poder refletir sobre a própria prática como professora.

No sétimo capítulo, “Do acolhimento que recebi ao despertar do olhar acolhedor que me tornou professora”, Mariana Silva Lima traz lembranças da professora da pré-escola, da delicadeza, acolhimento e inspiração para a sua recente atuação com bebês, crianças e na formação de professores, marcas de afeto e de partilha, que carrega em seu fazer, dessa professora, carrega o valor de uma educação integral. Dentre suas inspirações está a memória de sua mãe, que ao se tonar pedagoga, foi gestora numa creche de São Paulo, com uma atuação permeada pelos atos de acolhimento e afetividade com toda a sua equipe, famílias, bebês e crianças. Em sua constituição como gestora, entende que a efetivação de práticas da gestão democrática é uma premissa possível a partir de uma escuta efetiva e de um olhar atento, onde as culturas e a realidade local são consideradas para a participação e o pertencimento de todos.                                                                                                                                                                        

O oitavo capítulo, “Das professoras que encontrei à professora que busco ser”, de Michelle Mariano Mendonça, retoma a trajetória da autora no ensino particular como professora de educação infantil, permeado por dúvidas e incertezas daqueles que recém-formados, buscam inspirações e suporte para as suas práticas. Dentre elas, destaca as trocas com os colegas de trabalho, a formação em serviço e a continuada. Recorda do tempo do quintal da sua avó, de brincar, ser criança, do cheiro das plantas, do barulho dos pássaros, das histórias e cantigas, que eram ouvidas com grande encantamento e alegria. Reflete sobre o processo formativo de professores, trazendo referências teóricas que indicam a importância do diálogo entre a dimensão pessoal e profissional, tendo a escola como parte de um mundo social, promotora de relações e da construção de identidades, em constante movimento e transformação.

No nono capítulo, “Minhas memórias de lecto-escritura: a construção de uma identidade”, de Nádia Conceição Lauriti, a autora trata dos hábitos de leitura e de escrita vivenciados desde a sua infância e que hoje, a constituem como profissional, lembranças que trazem sons, cheiros, imagens, cenários e pessoas que fizeram parte dela. O ponto de partida é o início do seu processo de alfabetização, que se deu com seu avô, em contato com muitos livros.  Recorda-se da professora do 1 º ano, da doçura dela, do cheiro e da cartilha “Caminho Suave”, que tinha frases e textos desconectados da realidade e daquele mundo das “estórias” e imaginação. Recorda o exame admissional para o ginasial, quando teve contato com professores exigentes e inspiradores, com a retomada do encantamento pela literatura e poesia, tornando-se uma frequentadora de bibliotecas. Na compreensão do profissional em constante construção, vê-se em busca de novos itinerários formativos, estimulando seus alunos à plena participação na cultura escrita.

O décimo capítulo “As professoras que tive na infância e a minha reinvenção docente”, de Paola Caitano Lonardi, encontra a lembrança de professores que priorizavam a ordem e o respeito e que tinham por hábito impor castigo, também outros que priorizavam relações mais humanas e afetivas, nos quais busca identificação e referências, para a professora que se tornou. Recorda-se da timidez e da dificuldade de se socializar, do pavor que sentiu ao entrar no jardim de infância, da estranheza dos ambientes. Da pré-escola carrega imagens dos brinquedos do parque e do acolhimento recebido. Dos anos que seguem, lembra com carinho as aulas de Educação Física, o cheiro da lancheira, o caderno de caligrafia. Ao tornar-se professora, enfrentou alguns conflitos de ordem conceitual, ao deparar-se com pouca ou nenhuma participação das crianças nas propostas. Tempo depois, torna-se pesquisadora da própria prática, ao atuar numa escola que colocava a criança no centro da intenção educativa.

No capítulo onze “Memórias, angústias e aprendizados: construindo um novo olhar para a infância”, Renata Chagas de Oliveira da Costa, revisita memórias ora alegres, ora frustrantes, com a percepção de que os espaços e tempos eram limitadores do corpo e das expressões infantis. Destaca o ingresso no ensino fundamental, pois embora se recorde do acolhimento e simpatia da professora, as crianças permaneciam enfileiradas e sentadas em boa parte do tempo e o foco estava no conteúdo a ser aprendido, não havia tempo para as brincadeiras. Lembra as aulas de Educação Física, quando podia movimentar-se de maneira mais ampla e interagir com os colegas. Depois de formada em Pedagogia, menciona que se sentia frustrada e despreparada para assumir uma sala de crianças e que por vezes, reproduzia comportamentos autoritários, como aqueles vivenciados, atribuindo ao nascimento do filho, um divisor de águas para a mudança de sua postura – mais acolhedora e aprendente.

O capítulo doze “Minha infância, meus professores, minhas memórias”, de Valquíria Bertuzzi Veronesi, inicia conectando-se sua infância aos elementos da natureza, recorda o sítio da avó, as brincadeiras com os primos, a contemplação do céu, as subidas em árvores. Dos saberes da vida, recorda-se as histórias do avô, as habilidades manuais da mãe, do gosto pelos jogos e tecnologias do pai. Sobre educação formal, reflete sobre as referências das professoras que teve, especialmente no período do colégio de freiras, do silêncio, da disciplina, do aceite às regras de maneira passiva, do silenciamento infantil. A tudo isso, atribui muito à professora que se tornou, dos valores que carrega consigo, do incentivo à curiosidade, do contato com a natureza, do desejo pela poética da infância, por acreditar e trabalhar em prol de uma educação que respeite os educandos e suas singularidades.

Como observado, todo o texto traz diferentes atores que envolvem as memórias de escolarização, professores, gestores, familiares, a grande maioria, com recortes de uma escola que é parte de um modelo tradicional, que priorizava a transmissão de conteúdos, a obtenção de resultados, a ordem, a disciplina, a contenção dos corpos infantis. As oportunidades para o brincar eram escassas, assim como o desenvolvimento de processos autorais, da criatividade e imaginação. Apresentam uma escola onde a criança não era escutada, tampouco considerada em seus contextos individuais, e, de modo geral, anunciam uma educação infantil que é para o preparo dos anos iniciais do ensino fundamental e os anos iniciais, dedicados ao treinamento de habilidades para a aquisição do sistema de escrita, com textos e leituras que pouco se relacionavam com o cotidiano ou o universo literário conhecido ou a ser pelas crianças.

Assim, o livro é um mergulho nas emoções dos autores, lembranças marcadas como boas e más referências de um período em que o mundo se desvela para as crianças, medos, frustrações, acolhimento, carinho e admiração, que são parte das sensações acionadas nessa busca. É uma importante contribuição para professores, gestores e estudantes da área da Educação e áreas afins, trazendo reflexões e críticas sobre o período escolar e os reflexos do que foi vivido para as construções identitárias pessoais e profissionais.

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Biografia do Autor

Cyntia Simone de Souza Rodrigues, Universidade Nove de Julho – Uninove

Orientanda do Programa de Mestrado Profissional Em Gestão e Práticas Educacionais (PROGEPE)

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Publicado

18.11.2022

Como Citar

RODRIGUES, Cyntia Simone de Souza. Memórias de escolarização e profissionalização: das professoras que tive à profissional que me tornei, Ligia de Carvalho Abões Vercelli e Nádia Conceição Lauriti (Orgs.). Jundiaí, São Paulo: Paco, 2022. 216p. Dialogia, [S. l.], n. 42, p. e23010, 2022. DOI: 10.5585/42.2022.23010. Disponível em: https://periodicos.uninove.br/dialogia/article/view/23010. Acesso em: 18 abr. 2024.

Edição

Seção

Resenhas