Transparência nas transcrições de dados de pesquisas qualitativas

Autores/as

DOI:

https://doi.org/10.5585/2024.27233

Palabras clave:

transcrições de dados, pesquisas qualitativas, precisão metodológica, rigor científico

Resumen

Neste editorial, abordaremos um tema de grande relevância para as pesquisas qualitativas: o detalhamento da transcrição de dados. Este assunto tem sido objeto de discussão entre autores de métodos científicos, como Nascimento e Steinbruch (2019) que destacaram a negligência frequentemente observada na etapa de transcrição e propuseram normas para aumentar a precisão metodológica.

O intuito deste editorial é detalhar os procedimentos adotados para a transcrição e preparação do corpus em investigações qualitativas. Trata-se de uma etapa metodológica importante quando procuramos robustez nas pesquisas divulgadas em nossos periódicos. A precisão nas transcrições é essencial, conforme destacado por Maxwell (1996) e Silverman (2006), pois equívocos e imprecisões nesta fase podem comprometer seriamente a análise e interpretação dos resultados. Saldaña (2015) reforça a necessidade de transcrições detalhadas e consistentes para assegurar a transparência e confiabilidade dos estudos.

Diversas características definem a transcrição de dados orais para um corpus de escrita. Embora haja limitação de espaço nos artigos, conforme as normas dos periódicos científicos, é preciso equilibrar objetividade e clareza. Os autores devem evitar a indiferença ou descuido no detalhamento, pois nele encontramos uma forma do leitor entender previamente como os dados foram tratados e o quanto esta etapa denota qualidade das análises a posteriori. Além disso, a transcrição adequada possibilita a reprodução metodológica do estudo, alcançando o rigor científico, que é a premissa máxima da pesquisa.

Tipos de Transcrição

A pesquisa qualitativa apresenta diversos formatos de transcrição de dados, e as escolhas devem ser de acordo com os objetivos específicos de cada estudo. Dentre os formatos, destacam-se a transcrição naturalizada e a desnaturalizada (Bucholtz, 2000; Oliver et al., 2005). No formato naturalizado, há um cuidado especial com os detalhes, obedecendo as diferentes formas de oralidade empregadas, inclusive ruídos da fala quando se trata de entrevistas gravadas. Na transcrição desnaturalizada, o texto pode ser “limpo” dos ruídos, focando mais nos significados do que nos contextos (Oliver et al., 2005).

A escolha entre os diferentes formatos de transcrição pode afetar significativamente a compreensão do leitor, especialmente quando este não está familiarizado com o contexto cultural do estudo, o que também pode dificultar o trabalho do pesquisador (Pelzang & Hutchinson, 2018). Neste sentido, é importante destacar a cautela necessária ao delegar a transcrição a terceiros. Dependendo do objetivo do estudo, recomenda-se que o próprio entrevistador, pesquisador ou autor realize a transcrição ou, no mínimo, revise o material transcrito (Tong et al., 2007). Essas práticas reforçam o rigor e a confiabilidade da pesquisa.

Existem outros formatos que podem ser interpretados como níveis de transcrição, considerando as seguintes classificações: as transcrições parciais, as transcrições literais, as literais com fala coloquial, e a do discurso (Gibbs, 2008). Compreender os níveis de transcrição e justificar esta escolha ao leitor demonstra alinhamento entre a coleta e as análises dos dados. Cada tipo de transcrição possui suas próprias vantagens e limitações, que podem impactar significativamente o processo analítico e a interpretação dos resultados. A escolha do nível de transcrição adequado não apenas afeta a precisão e a riqueza dos dados transcritos, mas também influencia a forma como os resultados serão percebidos e compreendidos pelos leitores. A seguir, detalhamos os principais tipos de transcrição e suas distintas características, cada um com seu papel único no contexto da pesquisa qualitativa:

  • Transcrição parcial: usada para agilizar a pesquisa, principalmente quando há muito material, transcrevendo apenas os trechos relevantes para a pesquisa. Contudo, é preciso um cuidado para não perder partes ou categorias de análises importantes durante a codificação parcial.
  • Transcrição literal: executa uma correção da fala no momento da escrita (por exemplo: “tá” deve ser transcrito como: “está”). Este método não é muito eficiente para técnicas como análise do discurso.
  • Transcrição literal com fala coloquial: transcreve os ruídos “né”, “tô”, “a gente”, etc., obedecendo fielmente ao áudio original.
  • Transcrição do discurso: considerada a mais completa. Inclui os comentários sobre os ruídos e outras expressões além da fala, como sinais de nervosismo do entrevistado.

Em relação à transcrição do discurso, sugerimos muita atenção às pesquisas do tipo estudo de caso, por exemplo, que frequentemente associam múltiplas técnicas de coleta de dados, como observações, diários de campo, entrevista, etc. É conveniente lembrar que a transcrição é uma forma de representar um material que foi gravado, mas, não o substitui por completo. Por isso, a tentativa de expressar os casos estudados tem maior sucesso quando o material transcrito reflete a realidade dos dados coletados com os devidos detalhamentos (Psathas & Anderson, 1990).

Práticas Recomendadas

Entre os Critérios Consolidados para relatar Pesquisas Qualitativas (COREQ) (Tong et al., 2007), destaca-se a prática da devolução das transcrições. Esse processo, também denominado como validação da transcrição, ocorre após a finalização das transcrições, permitindo que os entrevistados as revisem para concordância, comentários ou correções do texto. É uma forma de comprovar que o processo foi cauteloso, além de buscar cumprir o aspecto ético da pesquisa, tão discutido na atualidade. Além disso, o COREQ é amplamente recomendado como um checklist de apoio para a pesquisa qualitativa, desde sua concepção até sua operacionalização. Seu uso facilita a compreensão de que se trata de uma pesquisa com rigor, transparência e clareza, pontos fundamentais para a publicação e socialização da pesquisa científica.

O estudo de Azevedo et al. (2017, p. 163), também sugere uma sequência de assuntos importantes para serem lembrados no momento das transcrições das entrevistas: preparar, conhecer, escrever, editar, rever e finalizar. Estas etapas devem ser consideradas pelos pesquisadores antes de iniciar a codificação dos dados.

Tecnologia e Transcrição

As transcrições, sejam de entrevistas, de grupos focais, de diário do campo ou de observações, vêm ganhando diferentes ferramentas que tornam o processo mais tecnológico e ágil. Exemplos de softwares específicos para transcrição incluem o Transcriber, Microsoft Teams, Microsoft Word 365, entre outros, disponíveis em versões pagas e gratuitas. No entanto, o uso dessas tecnologias requer cuidadosa conferência por parte dos pesquisadores para assegurar a fidelidade entre a transcrição e o material original, uma vez que alguns termos podem ser mal interpretados por tais aplicativos.

A falta de transparência nas técnicas utilizadas na transcrição no artigo é um dos aspectos negligenciados que merecem atenção. Como estratégia, alguns editores de periódicos têm solicitado um termo de consentimento para a disponibilização dos dados do manuscrito, caso necessário. Isso é particularmente relevante nas discussões sobre ciência aberta, que demandam transparência e detalhamento das transcrições.

Ao seguir critérios como o COREQ ou quaisquer outras etapas pré-definidas para alcançar o rigor metodológico, entende-se que o uso de tecnologias para transcrever é apenas uma parte do processo. Transformar áudios em texto não garante, por si só, a qualidade da transcrição. Por isso, sugere-se que os pesquisadores dediquem um espaço no método para explicar como as transcrições foram realizadas e quais cuidados foram tomados para assegurar uma análise de dados de alta qualidade.

Recomendações úteis

A Tabela 01 resume algumas dicas práticas que podem ser úteis ao realizar uma transcrição. Estas orientações cobrem diversos aspectos do processo de transcrição, oferecendo estratégias eficazes para assegurar que o material transcrito seja preciso, claro e de alta qualidade, o que é fundamental para a análise e interpretação posterior dos dados.

[Consultar a tabela no PDF] - p. 5

Considerações Finais

Este editorial busca destacar uma questão crítica frequentemente negligenciada nas pesquisas qualitativas: a precisão na transcrição de dados. Não pretendemos esgotar o tema, mas chamar a atenção para a importância deste detalhe, que pode aumentar significativamente a robustez e a confiabilidade dos artigos científicos publicados em nossos periódicos. Convidamos aos autores a refletirem sobre estas questões essenciais para aprimorar suas práticas de pesquisa:

  • Como foram realizadas as transcrições em sua pesquisa?
  • Quais cuidados você tomou para assegurar a qualidade na análise dos dados?
  • A metodologia de transcrição adotada contribuiu para a agilidade e robustez da sua pesquisa?
  • Você disponibilizou as transcrições para os entrevistados e avaliadores para validação?

Ao considerar estas perguntas durante a redação de seus trabalhos, você não apenas seguirá as melhores práticas, mas também contribuirá para a transparência e a ética no campo da pesquisa qualitativa. Desta forma, colaboramos para propiciar uma maior integridade e credibilidade das pesquisas em nossa comunidade científica. Esperamos que este editorial seja um convite à reflexão e ao compromisso contínuo com a excelência na condução de pesquisas qualitativas, assegurando que cada detalhe seja tratado com a máxima atenção e rigor.

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Biografía del autor/a

Marcelo Roger Meneghatti, Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) / Cascavel, PR

Pós-doutorado em Desenvolvimento Rural Sustentável pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Doutor em Administração pela Universidade Nove de Julho-UNINOVE-SP. Professor do Mestrado e do Doutorado Profissional em Administração (PPGADM-UNIOESTE).

Heidy Rodriguez Ramos, Universidade Nove de Julho (UNINOVE) / São Paulo, SP

Pesquisadora com Bolsa de Produtividade do CNPq. Pesquisadora da FAPESP. Doutora em Administração pela FEA/USP. Professora do Programa de Pós-graduação em Administração (PPGA/Mestrado e Doutorado) e do Programa de Pós-graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis (PPGCIS/ Mestrado e Doutorado) da Universidade Nove de Julho (UNINOVE).

Ivano Ribeiro, Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) / Cascavel, PR

Doutor em Administração pela Universidade Nove de Julho – Programa de Pós Graduação em Administração (PPGA) / UNINOVE. Coordenador e docente do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu (Mestrado e Doutorado Profissional em Administração - PPGAdm) da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) - Cascavel, PR

Citas

Azevedo, V., Carvalho, M., Fernandes-Costa, F., Mesquita, S., Soares, J., Teixeira, F., & Maia, Â. (2017). Interview transcription: conceptual issues, practical guidelines, and challenges. Revista de Enfermagem Referencia, 4(14), 159–168. https://doi.org/10.12707/RIV17018

Bucholtz, M. (2000). The politics of transcription. Journal of Pragmatics, 32(10), 1439–1465. https://doi.org/10.1016/s0378-2166(99)00094-6

Gibbs, G. (2008). Analise de dados qualitativos. Artemed Editora S.A.

Maxwell, J. A. (1996). Designing a qualitative study. In Qualitative research design: An interactive approach (Issue January 2012). Sage Publications.

Nascimento, L. da S., & Steinbruch, F. K. (2019). “The interviews were transcribed”, but how? Reflections on management research. RAUSP Management Journal, 54(4), 413–429. https://doi.org/10.1108/RAUSP-05-2019-0092

Oliver, D. G., Serovich, J. M., & Mason, T. L. (2005). Constraints and opportunities with interview transcription: Towards reflection in qualitative research. Social Forces, 84(2), 1273–1289. https://doi.org/10.1353/sof.2006.0023

Pelzang, R., & Hutchinson, A. M. (2018). Establishing cultural integrity in qualitative research: Reflections from a cross-cultural study. International Journal of Qualitative Methods, 17(1), 1–9. https://doi.org/10.1177/1609406917749702

Psathas, G., & Anderson, T. (1990). The ‘practices’ of transcription in conversation analysis. Semiotica, 78(1–2), 75–100. https://doi.org/10.1515/semi.1990.78.1-2.75

Saldaña, J. (2015). The coding manual for qualitative researchers (3rd edition). In Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal (SAGE Publi, Vol. 12, Issue 2). https://doi.org/10.1108/qrom-08-2016-1408

Silverman, D. (2006). Interpreting qualitative data: methods for analyzing talk, text and interaction (SAGE Publi).

Tong, A., Sainsbury, P., & Craig, J. (2007). Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): A 32-item checklist for interviews and focus groups. International Journal for Quality in Health Care, 19(6), 349–357. https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042

Publicado

2024-08-12

Cómo citar

Meneghatti, M. R., Ramos, H. R., & Ribeiro, I. (2024). Transparência nas transcrições de dados de pesquisas qualitativas. Revista Ibero-Americana De Estratégia, 23(2), e27233. https://doi.org/10.5585/2024.27233

Número

Sección

Editorial