História e resistência da educação libertária no Brasil, de Marcelo Luiz Costa e Carlos Bauer. São Paulo

Amazon Independently published, 2021

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5585/cpg.v23n1.26610

Palavras-chave:

Educação, História da Educação, Ciência Politica

Resumo

História e Resistência da Educação Libertária no Brasil, traz em suas 196 páginas, 6 capítulos que de maneira envolvente, apresenta ao leitor uma potente reflexão sobre a educação libertária, caracterizando-a como polo de resistência aos avassaladores mecanismos de opressão, próprios do século XX. O interessante é que ao mesmo tempo em que apresenta os pilares conceituais daquilo que se convencionou chamar de Educação Libertária, os autores estabelecem um diálogo crítico, com o processo de implementação de um acanhado sistema escolar, que com todos os dilemas, se estabelece 100 anos depois.

Mais que isso, o livro tem uma linguagem bem acessível, especialmente se o leitor deseja aprofundar os debates sobre a caracterização da escolar como um espaço de reprodução ou emancipação, e/ou as duas coisas ao mesmo tempo. É uma excelente opção, para quem pretende se apropriar das reflexões acerca da história do movimento operário no início do século XX, bem como entender as ideias pedagógicas e o processo inicial de implementação do sistema escola brasileiro.

No primeiro capítulo, o leitor terá uma inquietante discussão sobre o papel da educação na sociedade. Utilizando-se de pensadores como Platão e, em especial Durkheim, os autores demonstram o papel da educação como um dos agentes de coesão social e socialização dos indivíduos, afinal, os processos educativos, estatais ou não, se inserem tal qual a família, justiça, ideologia, religião e órgãos repressores, em componentes dos elementos que constrangem, limitam e condicionam homens e mulheres consolidando uma suposta estabilidade social.

Posteriormente esse debate é aprofundado analisando os mecanismos de reprodução da sociedade capitalista. Bebendo nas fontes de Althusser e Bourdieu, os proponentes do texto explicitam como esse modo de produção cria as estruturas e mecanismos para a sua reprodução, organizando uma sociabilidade alicerçada na propriedade privada, bem como na replicação das relações de exploração. Esses processos, no entanto, não ocorrem sem contradições, de tal sorte, que as classes proprietárias necessitam criar aparelhos com vistas a naturalização do rito civilizatório burguês. A escola compõe esse conjunto de aparatos que vislumbram um certo equilíbrio, conforto e estabilidade. É, portanto, confrontado aqui, o ideário que propaga a escola como um equalizador das relações sociais, ideologia bastante difundida atualmente, especialmente pelos liberais e porta vozes do grande capital. 

Na terceira parte do texto, encontramos um alertado, sobre a relevância de se pesquisar movimentos que surgem como resistência as contradições capitalistas e, almejam construir um mundo fundamentado em outras formas de sociabilidade. Nesse contexto, os autores destacam a educação e/ou escola Libertária como parte de um conjunto de iniciativas que ousaram, ao longo da conflituosa história brasileira, confrontar o status quo e lutar para construir um outro amanhã desejado, parafraseando um clássico do Genial Gonzaguinha.

Os libertários surgem nos flanges, galgando romper a chamada estabilidade social que constrói as pedagogias oficiais. Buscaram, sobretudo, pautar suas ideias e ações em um combo de princípios distantes das práxis burguesa, podemos mesmo dizer que urdiram uma “antipedagogia”, apontando a autonomia e autogestão como norte, recusando serem governados.

No quarto capítulo, o leitor terá acesso a uma análise do movimento operário brasileiro nas duas primeiras décadas do século XX, é interessante a tese apresentada no texto de que, ao contrário das afirmações feitas por uma parte da intelectualidade brasileira, já em 1917, momento em que explodiu uma das maiores greves brasileiras, temos um movimento operário maduro, organizando greves, paralisações, trancassos e ações formativas. Nesse momento histórico, os sindicatos e associações tinham grande influência dos anarquistas, que para além da luta direta, tencionavam construir, instrumentos educativos diferentes dos propostos pela burguesia brasileira. Para os libertários, a construção de uma sociabilidade para além do capital, passa pela autoeducação dos trabalhadores. 

Já na quarte parte do livro, são apresentados os princípios anarquistas, assim como sua inserção no movimento dos trabalhadores, no âmbito internacional e Brasileiro. Para explicitar tais princípios Costa e Bauer valeram-se do arcabouço teórico de Passeti, Augusto, Bakunin e Proudhon. Elucidando que as experiências libertárias, não se tratava de regras ou conceitos fixos. O anarquismo é uma experimentação fluída que busca responder inquietações hierárquicas e autoritárias. Por isso, é anti-sistêmico, defende o igualitarismo, a liberdade, a justiça, o combate a obediência e dogmas. Seu valoroso princípio de mutualidade e reciprocidade inspirou homens e mulheres que na França construíram sindicatos, associações e cooperativas. No Brasil, não foi diferente, os ventos anarquistas pariram instrumentos de lutas, que ao longo do século XX, enfrentaram repressões de toda ordem e, no entanto, continuaram propiciando experiências de liberdade, valendo-se das menores fissuras, trazendo o contraditório que gera utopias e heterotopias.

No último capítulo, o leitor terá acesso a um histórico do nascimento dos princípios que norteiam a educação libertária, Costa e Bauer remontam os ideais anarquistas, na esfera educativa, em Leon Tolstoi, que estabelecia a liberdade como fundamento basilar das práticas educativas, já em Bakunin os autores identificam que seus escritos sobre educação, buscavam superar a cisão entre educação cultural, científica, artística e técnica. Todavia, parece que a contribuição teórica e prática mais acabada foi a do Paul Robin, Professor dedicado, empenhado em demonstrar como a educação liberal-burguesa formava indivíduos para obedecer, prontos à sujeitar-se as hierarquias da sociedade que fortaleciam os processos de alienação. Esse importante educador, deu contribuições profícuas, seja na Primeira Internacional ou no orfanato de Prévost em Campui, França. Suas experiências subsidiaram a escolas anarquistas em vários lugares do mundo, em especial no brasil.

No Brasil, fora dos marcos institucionais da educação burguesa, valendo-se das análises e reflexões dos congressos operários brasileiros de 1906 e 1913, os libertários alicerçados no princípio do mutualismo e reciprocidade, efetuaram uma série de experiencias educacionais em sindicatos, associações culturais junto aos trabalhadores, entretanto, o texto destaca com proeminência as chamadas Escola Modernas, encontradas no Nordeste, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Nesses espaços, os programas e atividades eram mais livres, tudo era discutido e deliberado, almejava-se uma educação que respeitasse os tempos e as faculdades dos indivíduos, sem desconsiderar os aspectos da construção de uma coletividade livre de opressões. Fora do universo conceitual liberal, os libertários cultivavam a memória e cultura operária, despindo o mito do herói burguês, colocando em cena novos personagens, remontando uma história a contrapelo, recorrendo e exaltando a memória dos trabalhadores que participaram da greve geral de Santos em 1891, ou mesmo, metalúrgicos, tecelões, chapeleiros e costureiras em São Paulo com os movimentos grevistas de 1906-1907.  Sem falar da explosiva greve de 1917, que teve na figura do jovem sapateiro José Gimenez Martinez, um mártir, símbolo da luta operária no início do século XX. A tenacidade dessas experiências, mesmo que nas frestas do Estado Brasileiro, propiciaram ventos de liberdade para homens e mulheres que ousaram tentar novo, buscar o inédito.

O livro é, portanto, uma oportunidade para experenciar sopros de liberdade na história da educação brasileira. Nele, é possível encontra reflexões, sobre como as estruturas do estado conformam desigualdades sociais, especialmente as expressas na esfera educativa. A mesmo tempo, propicia aos leitores esperançar junto com os libertários, vivências que afrontaram a ordem estabelecida, e intentaram forjar práticas educativas baseadas em relações de reciprocidade, mutualidade e horizontalidade. Olaxa, esses textos, sirvam como um potente recurso para os que almejam construir uma educação livre do rito civilizatório burguês, especialmente em nosso tempo, em que gritos autoritários ecoam por todos os lados. Sabemos, no entanto, esses bramidos não são novos, receberam e receberão resistência, a obra aqui apresentada é parte dessa perseverança.

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Biografia do Autor

Alessandro Rubens de Matos, Universidade Nove de Julho, Uninove

Doutorando em Educação

 

Referências

Referência do Livro

História e resistência da educação libertária no Brasil, de Marcelo Luiz Costa e Carlos Bauer. São Paulo: Amazon Independently published, 2021.

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Publicado

28.06.2024

Como Citar

MATOS, Alessandro Rubens de. História e resistência da educação libertária no Brasil, de Marcelo Luiz Costa e Carlos Bauer. São Paulo: Amazon Independently published, 2021. Cadernos de Pós-graduação, [S. l.], v. 23, n. 1, p. 98–101, 2024. DOI: 10.5585/cpg.v23n1.26610. Disponível em: https://periodicos.uninove.br/cadernosdepos/article/view/26610. Acesso em: 5 out. 2024.

Edição

Seção

Resenhas