A pesquisa em marketing no Brasil e o desafio/oportunidade de contribuição e legitimação na pandemia
DOI:
https://doi.org/10.5585/remark.v19i4.18700Palabras clave:
COVID, Marketing, PandemiaResumen
Neste ano de 2020, 40 artigos foram publicados em quatro números da Revista Brasileira de Marketing (ReMark) / Brazilian Journal of Marketing (BJMkt). Seus autores atuam em 15 estados, de todas as regiões, do Brasil e em alguns países estrangeiros. Exprime-se um extenso reconhecimento da Revista pela comunidade acadêmica de Marketing.
Muito agradecemos a colaboração primordial dos pareceristas, que emprestam competência à evolução de manuscritos de terceiros, numa etapa das mais importantes do processo editorial em um periódico. Evolução e aprendizado que intervêm mesmo quando não se aceita o manuscrito para publicação.
Ficamos penhorados pela dedicação permanente à Revista da bibliotecária Cristiane dos Santos Monteiro. Apoio sempre veio também da Editora UNINOVE, da diretora do Programa de Pós-Graduação em Administração da UNINOVE, Priscila Rezende da Costa, e do professor José Eduardo Storopoli.
Um fenômeno dominou o ano no Planeta Terra: a doença (Covid-19) causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2), com níveis alarmantes de contaminação. Em março, a Organização Mundial de Saúde declarava o estado pandêmico; já se passaram nove meses (OPAS, 2020). Instalou-se uma crise global de saúde pública. Seria o real marco a distinguir o início do Século XXI (Jansen, 2020). Praticamente ninguém, da atual população mundial, viveu um precedente similar, já que a pandemia da Gripe Espanhola findara (curiosamente) um século atrás (Martino, 2017; Barry, 2020). Tanto tempo depois, surpreende a vulnerabilidade da humanidade a uma patologia viral. As descrições metafóricas vão da plateia de um inebriante filme de ficção científica a uma imensa lareira em que estamos todos nos queimando (Muhammet, Alfiya, Masalimova, Cherdymova & Shaidullina, 2020).
A pandemia gerou e segue gerando impactos profundos em várias dimensões humanas, sociais, empresariais e governamentais. Nem se sabe até quando irão seus efeitos adversos na sociedade, apesar das fundadas expectativas em relação às vacinas, com numerosos projetos de desenvolvimento, tanto no Ocidente quanto no Oriente. As Ciências da Saúde, nos seus diversos ramos, seguem pesquisando a prevenção e o tratamento da nova e complicada patologia (Carvalho, Lima & Coeli, 2020; Heymann & Shindo, 2020). Nesse front, ainda que a gestão da saúde no Brasil apareça, no exterior, como caso dos mais complicados na aplicação da Ciência (Gostin, 2020), é com ela que se pode contar. Com ela, os países do Reino Unido, neste dezembro, se tornaram os primeiros do Ocidente na vacinação contra o mal; e buscam atingir velocidade recorde no processo de imunização (Strasburg e Fidler, 2020); é a luta de todas as nações.
Esse esforço científico repercute, como nunca, no cotidiano das pessoas. Não é de hoje o reconhecimento do papel da Ciência em situações de crise, quando necessidades fundamentais da espécie humana são postas em xeque (Oliveira, 1998). Mas, no presente, a imprensa leva sem parar notícias aos leigos sobre resultados e perspectivas científicas. Apesar de localizadas e barulhentas polêmicas, a maioria da população reconhece e valoriza o papel crucial da Ciência, que avança, com afinco e sacrifício, na compreensão do ecossistema, que tem a nova doença no seu centro (Lipsitch, Swerdlow & Finelli, 2020; Velloso, 2020). Só a Ciência pode encontrar soluções para sanar a crise ou, ao menos, aliviar suas implicações e esse papel singular é reconhecido pela população. É a via a desenvolver meios para enfrentar o medo, a privação, ansiedade, impaciência, dor e, no limite, a morte e a desesperança.
O empenho vai muito além das Ciências da Saúde, espraiando-se por praticamente todos os campos. Demografia (Dowd, Andriano, Brazel, Rotondi, Block et al., 2020), Criminologia (Ashby, 2020), Engenharia (Goel, Hawi, Goel, Thakur, Agrawal et. al., 2020) e Biblioteconomia (Ali & Gatiti, 2020) são alguns exemplos dessa envergadura. Mesmo na esfera da Administração, há inciativas em diversas disciplinas (Zhang, Hu & Ji, 2020), nas vertentes empresarial e também pública (Lunn, Belton, Lavin, McGowan, Timmons & Robertson, 2020).
Por outro lado, o tremendo e compreensível interesse, em boa parte das pessoas, em notícias sobre a pandemia, suas consequências e soluções, pode abrir espaço à tentação de práticas deturpadas, quando não das fraudes revestidas de ciência ou pseudociência (Scheirer, 2020; Berruyer, 2020). É essencial agilizar a disponibilização preliminar de resultados de pesquisas, mas essa prática também traz riscos à qualidade da produção científica e à difusão aos praticantes. Basta pensar na controvérsia em torno do potencial ou não curativo da droga Hidroxicloroquina (Gautret, Lagier, Parola, Hoang, Meddeb et al., 2020).
Passamos ao Marketing! Um fenômeno inusitado e vultoso como a pandemia deve ter múltiplas repercussões nos modelos e nas teorias de Marketing, restando decifrá-los. Neste ano, dois artigos na ReMark se ocuparam do fenômeno: “Pandemia de COVID-19: trilhas para pesquisas futuras em marketing envolvendo o papel regulatório do consumo pró-social”, no número 3; “A intenção de prevenção e de gastos futuros durante a COVID-19: um estudo considerando a tomada de decisões sob risco”, neste número 4. São passos iniciais e outros tantos hão de vir aqui mesmo.
Em paralelo, há uma sucessão de pesquisas comerciais e reflexões de praticantes acerca das consequências, imediatas e mais duradouras, da pandemia. Diversas empresas de consultoria e pesquisa de mercado, brasileiras e globais, concluíram pesquisas com consumidores e empresas. Abrangem o comportamento do consumidor tanto quanto a gestão de marketing. A imprensa, nos jornais e revistas gerais e especializadas, difunde essas descobertas. Também o faz a mídia própria de institutos de pesquisa e empresas de consultoria, em sites, blogs e redes sociais.
Nessa linha, a PwC (2020) comparou moradores de cidades, em muitos países (Brasil incluído), antes e após a pandemia. Aportou vislumbres sobre a reinvenção - em curso e possivelmente no futuro - das jornadas de compra, consumo, aprendizado, comunicação, entretenimento e trabalho das pessoas, em meio à aceleração do uso dos canais digitais. Traçou implicações para a gestão do relacionamento com o mercado, que requer reinvenção.
A GfK (2020) mapeou consumos e hábitos pós-crise no Brasil, com subsídios para a gestão na realidade do ‘novo normal’, um modificado padrão de normalidade. Levou em conta características da população (alta proporção de gente com pouca renda e escolaridade) e de outras dimensões do macroambiente do país (anos antecedentes de crise econômica, taxa de desemprego, saúde). GfK que ainda publica, duas vezes ao mês, um retrato atualizado do ‘pulso do consumidor’ ante o novo coronavírus.
A KANTAR (2020) já publicou mais de 10 edições de sua pesquisa acerca das influências da pandemia no consumidor no Brasil. Numa das últimas delas, relata a intenção de muitos deles de manter mudanças comportamentais na ‘nova realidade’ por vir (embora não se saiba quando ela virá).
A IPSOS (2020) investigou as modificações na vida do consumidor no país em termos de jornada de compra, migração entre canais, determinantes, razões e barreiras de compra, sob efeitos de incerteza, tensões e medos. Aduziu um novo significado para o papel de comprador. Discutiu as mudanças já manifestadas e a perspectiva de continuidade além da pandemia.
A NIELSEN (2020) descortinou seis etapas-chave no processo de adaptação do consumidor, associadas às preocupações com a pandemia, bem como a heterogeneidade em regiões, estados e cidades brasileiras, entremeadas de muito aprendizado quanto ao consumo. Alertou as empresas sobre oportunidades para conscientizar os consumidores sobre a crise e, desse modo, reforçar vínculos com eles e ampliar negócios à frente.
Esse é só um recorte de um acervo amplo, muito útil e elogiável. Mas ali está mais a pesquisa de “mercado” ou de “solução de problema” (Hunt, 2015: 64-66), com seu inegável valor. Tal acervo, porém, não substitui a pesquisa científica, capaz de prover genuína contribuição nova, validada e generalizável para a disciplina de Marketing, no geral, e no campo do Comportamento do Consumidor, em particular. Mantendo o espírito crítico, se toma a lição de Bunge (1998:3-6): a ciência não é apenas um prolongamento ou mesmo mero refinamento do conhecimento comum. A ciência constitui um conhecimento de um tipo especial, pois lida primariamente (embora não apenas) com eventos não observáveis, não suspeitados pelo leigo, articula e testa conjecturas além do conhecimento ordinário e testa tais suposições com a ajuda de técnicas especiais. Assim sendo, não haveria como tomar a produção comercial como Ciência.
Seguindo com os alicerces sólidos de Bunge (1998), se miram os contextos da descoberta e da justificação. A descoberta desponta também de meios não científicos (como criatividade e inspiração) e mais atrai a atenção da imprensa. Por sua vez, a justificação - raciocínio sobre evidências, replicabilidade, fundamentação de hipóteses, teste empírico de proposições e teorias, validade etc. – se prende ao método científico e a seus agentes (os cientistas).
A pesquisa em Marketing - acadêmica, balizada pelo método científico – também já se empenha na investigação dessa realidade, em curso e intrincada, da pandemia. Seu ritmo, não é aquele que se gostaria e precisaria. Não dispúnhamos, para a pesquisa em Marketing no Brasil, de orçamentos expressivos; tal recurso se tornou, agora, ainda mais escasso. Todavia, a mobilização de outros recursos - mormente a capacitação e a motivação intrínseca do(a)s pesquisadore(a)s - há de frutificar nesta situação em que suas contribuições são potencialmente úteis como nunca. A ReMark/BJMkt está de portas abertas para acolher avanços nesse rumo. Incrementar sua velocidade é um desafio a ser enfrentado. Desafio que constitui excepcional oportunidade de legitimação do Marketing como Ciência. A Revista Brasileira de Marketing encampa e se abre a iniciativas nessa direção.
Desejamos sinceramente a você, leitor(a), força, saúde e superação, além de produtividade, em 2021!
Boa leitura!
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Citas
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