Libras e dança-teatro, por que não pensamos nisso antes?

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5585/eccos.n62.22203

Palavras-chave:

Dança-Teatro, LIBRAS, Educação

Resumo

A obra apresenta um processo pedagógico aplicado a um grupo de atores paulistanos para o desenvolvimento de uma encenação que se utilizou da LIBRAS como ferramenta criativa. A obra de Wesley Leal apresenta uma introdução e três partes, a saber: a parte 1 faz uma contextualização histórica dos precursores da Dança-Teatro alemã (Laban, Kurt Jooss e Pina Bausch) e da Dança-Teatro no Brasil (Klauss Vianna), além de apresentar a dança-teatro da Cie. Fleur de Peau; a parte 2 traz a historicização da LIBRAS como língua de sinais, descrevendo alguns entraves que rodeiam essa linguagem e na parte 3, o autor detalha como aconteceu o processo pedagógico que teve a LIBRAS como ferramenta de aprendizagem para uma encenação que interfaceasse encenação falada e a linguagem dos sinais brasileiros.

Wesley Leal é pós-graduado em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), ator, pesquisador e tradutor-intérprete de LIBRAS-Português, atuando na área artística, educacional e midiática; e desenvolve projetos de teatro acessível às pessoas surdas.

Ao abordar a análise histórica sobre a Dança-Teatro, o autor apresenta as interrelações dançantes entre Laban, Kurt Jooss e Pina Bausch. Ao longo da escrita e, mais especificamente, na Europa, podemos observar o caráter de uma Dança-Teatro mais expressiva a partir de Pinha Bausch. Assim, para compreender a dança moderna alemã, assim como, a Dança-Teatro dos três expoentes alemãs já citados, Leal (2018) dialoga com Portinari (1989), Garaudy (1980), Bentivogio (2006) e Lerina (2006).

No Brasil, o destaque é dado ao brasileiro Klauss Vianna através da preparação corporal para atores e dançarinos/bailarinos. O autor compara essa abordagem de Vianna ao trabalho de corpo de Pina Bausch. A partir de Miller (2016), o autor ainda apresenta a sistematização da técnica Klauss Vianna. O intuito de Vianna era desenvolver, por meio da criação corporal, uma maior comunicação ao repertório do corpo. Segundo Wesley Leal, o objetivo desse artista brasileiro era sensibilizar, conscientizar e possibilitar a escuta do corpo.

No terceiro capítulo, concluindo a parte 1, o autor comenta sobre o trabalho de corpo da Cie. Fleur de Peur como dança-teatro na contemporaneidade. Leal (2018) relata que essa Companhia trabalha no intuito de favorecer uma linguagem corporal própria, em que o teatro é inserido na dança e está no teatro, consequentemente, passa a descrever uma história. A mesma Cia. vincula ao seu trabalho dois eixos, a saber: o primeiro relaciona a criação e o segundo tem o foco na pedagogia. Assim, o autor apresenta, entre esses dois eixos, o criar e o transmitir.

No capítulo seguinte, que inicia a parte 2, tem-se a história das Línguas de Sinais, em que o autor se debruça a descrevê-la, desde a época de Aristóteles, passando por diferentes períodos, até chegar aos anos de 2002, quando a LIBRAS foi oficialmente reconhecida e, posteriormente, dando ênfase ao ano de 2005, no qual, o ensino dos surdos, a formação de professores e de intérpretes da LIBRAS foi regulamentada.

No mesmo texto, continuando a falar sobre a Língua Brasileira de Sinais, há uma breve discussão referente a algumas terminologias, inclusive, utilizadas no Brasil, como “surdo”, “mudo”, “deficiente auditivo”, “linguagem de sinais” e “língua de sinais”. E dentro desse mesmo tema, o autor discute sobre a necessidade da inserção dos surdos num mundo em que o ouvintismo tem vigorado.

A acessibilidade também aparece descrita como importante e, ao longo do texto, é exemplificada por meio de várias descrições como a arquitetônica, instrumental, metodológica, programática, atitudinal e comunicacional. Reforçando essa declaração, o autor nos lembra que a ausência de barreiras no mundo possibilitaria ao surdo conseguir evoluir, de maneira acadêmica, humana e profissional.

As abordagens que aparecem nos capítulos posteriores (parte 3), discorrem sobre o processo pedagógico, metodológico e da proposta estética de Leal para coordenar uma encenação, incluindo a LIBRAS. Ele esclarece que essa última é, um Trabalho de Conclusão de Curso e, por isso mesmo, um dos requisitos para concluir a Graduação em Artes, com habilitação em Teatro. Wesley Leal ressalta que o processo desta encenação foi, para ele, mais importante que o produto, considerando mais válido valorizar a preparação corporal dos atores envolvidos. É válido ainda ressaltar, que todos os artistas da encenação, inclusive, Leal, faziam parte de um grupo intitulado “Nosso Grupo de Teatro”.

O processo da encenação envolveu a sistematização da Técnica Klauss Vianna em duas partes, sendo elas: o processo lúdico (acordar o corpo, alterando os padrões de movimento) e o processo de vetores (direções ósseas para aprofundar o conhecimento físico/corporal). Houve também a inserção e a prática da LIBRAS com o grupo; essa foi totalmente ministrada pelo autor, a partir da experiência do mesmo, em outra Cia[1]. É importante ressaltar que esses artistas, exceto Leal, não tinham experiências com a Dança-Teatro ou a LIBRAS.

Na etapa da preparação corporal, os intérpretes aprenderam primeiro, o texto, e depois, foram inserindo a LIBRAS. Essa proposta deu origem a uma interpretação bilíngue em que a fala era oralizada, com o Português e a língua era sinalizada com a LIBRAS. Leal (2018) afirma que as improvisações dos artistas se baseavam no texto e no que se transmitia aos atores.

Uma das maiores dificuldades declaradas por Leal (2018) foi conseguir uma movimentação que ela não fosse abstrata, e sim, pudesse contar uma história. Mas, no período de alguns ensaios, houve a visitação de um surdo que pôde contribuir, nesse sentido, com o trabalho da encenação.

Sobre as temáticas que envolvem a encenação, o autor afirmou, como ponto principal, dar atenção ao ser humano e as relações intrínsecas a ele. No campo dos conteúdos da Dança-Teatro, Leal (2018) procurou dar ênfase à expressão teatral, ao trabalho com as articulações, à musicalidade nos movimentos e à manipulação de corpos e de objetos. O trabalho, desde o laboratório, ensaios, até o dia da apresentação, ocorreu num período de quatro meses, no qual, o grupo se encontrava para trocar experiências.

Após o espetáculo, o autor abriu para uma discussão com o público e, depois disso, quatro pontos foram levados ao “Nosso Grupo de Teatro” para uma nova avaliação, são eles: interpretação dos atores, temática levada a cena, iluminação e a inserção da LIBRAS na encenação.

Ao final da obra, Leal conclui, afirmando ser uma pessoa determinada, quando precisa realizar algo e, nesse caso, foi a encenação. Ele diz que isso ocorreu, principalmente, quando os atores também abraçaram a sua ideia. Assim, Wesley Leal (2018) descreve que nem todos os atores puderam continuar, do início ao final do processo, lembra que conseguiu incluir quem saiu da cena, de uma forma ou outra no processo, tornando a ideia da encenação, coletiva. E declara, outrossim, ter a esperança de que o livro possa ajudar a inspirar outras pessoas, pela mesma temática, assim como, a LIBRAS e o surdo, pois isso o ajudou, um dia, a criar essa encenação e a se tornar um agente potencializador para a criação da cena.

 


[1] Antes de integrar “Nosso Grupo de Tetaro”, Leal participou da Cia. Arte Raiz, na qual a diretora e atriz era especialista em LIBRAS. Então, toda a bagagem com a Língua de Sinais foi por meio do contato e experiência nessa primeira Cia.

 

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Biografia do Autor

Marcilio de Souza Vieira, Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.

Bolsista de Produtividade em Pesquisa – nível 2, Artista da Cena, Pós-Doutor em Artes e em Educação, Doutor em Educação, Professor do Curso de Dança e dos Programas de Pós-Graduação PPGArC, PPGEd e PROFARTES da UFRN. Líder do Grupo de Pesquisa em Corpo, Dança e Processos de Criação (CIRANDAR) e Membro pesquisador do Grupo de Pesquisa Corpo, Fenomenologia e Movimento (Grupo Estesia/UFRN).

 

Andreia Silva de Melo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.

Artista da dança, professora de Artes no município de São Gonçalo do Amarante/RN e professora intérprete de LIBRAS pelo Governo do Estado do RN. Possui graduação em Educação Artística com habilitação Artes Cênicas (2010), graduação em Dança (2013) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). É especialista em Língua Brasileira de Sinais (2016) pela Universidade Potiguar e Mestra em Artes (2020) pela UFRN. Atualmente é graduanda em Letras LIBRAS (UFRN) e doutoranda em Educação pelo PPGEd (UFRN).

Referências

BENTIVOGIO, L. A outra dança de Pina Bausch. In: VACCARINO, E. (org). Pina Bausch fale-me de amor: um colóquio. Portugal, Lisboa: Fenda, 2006.

GARAUDY, R. Dançar a vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

LEAL, W. Dança-Teatro e a LIBRAS: a convergência poética entre línguas e linguagens no âmbito da arte. São Paulo: Giostri Editora, 2018.

PORTINARI, M. História da dança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.

LERINA, R. Quero me emocionar com o público. Zero Hora, Porto Alegre, 9 de setembro, 2006. Caderno Cultura, p. 08.

MILLER, J. A escuta do corpo: sistematização da técnica Klauss Viann. São Paulo: Summus, 2016.

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Publicado

14.10.2022

Como Citar

DE SOUZA VIEIRA, Marcilio; SILVA DE MELO, Andreia. Libras e dança-teatro, por que não pensamos nisso antes?. EccoS – Revista Científica, [S. l.], n. 62, p. e22203, 2022. DOI: 10.5585/eccos.n62.22203. Disponível em: https://periodicos.uninove.br/eccos/article/view/22203. Acesso em: 18 abr. 2024.