SANCHES, Emília Cipriano. Lembra de mim?: desafios e caminhos para profissionais da educação infantil. São Paulo: Cortez, 2021

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5585/eccos.n63.22662

Palavras-chave:

Educação, educação infantil, formação de professores

Resumo

O livro de Emília Cipriano busca pensar sobre o futuro, a partir das visões de criança e de infância, em um momento crucial: quando a Educação e as propostas de trabalho em sala de aula têm sido tão discutidas. A autora propõe outros caminhos, além daquelas práticas educacionais dedicadas meramente à instrução das crianças. O livro destaca, partindo de uma perspectiva histórica, a importância da educação infantil e o caminho já trilhado no Brasil e no mundo, destacando ainda o que precisa ser feito para democratizar o acesso a essa etapa da educação básica.

Emília Cipriano Sanches é doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Mestre em Psicologia da Educação pela mesma universidade. Graduada em Serviço Social e Pedagogia, é ainda Especialista em Desenho e Gerência de Políticas Públicas e Programas Sociais. É Professora Titular da Faculdade de Educação e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Formação de Formadores, na instituição de ensino superior em que se doutorou.

É membro fundadora do Fórum Paulista de Educação Infantil e pioneira do Fórum da Pedagogia Freinet. Foi Secretária Adjunta da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (2015-2016). É coordenadora do Instituto Aprender a Ser - Pesquisa e Formação na Área Educacional. Foi conselheira do Conselho Municipal de Educação do Município de São Paulo (2016-2022) e Presidenta de sua Câmara de Educação Básica (2020-2022). Tem desempenhado a função de consultora e especialista em educação da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação e do Sindicato Especialistas Ensino Público de São Paulo (SINESP). É líder do grupo de pesquisa "Educação Integral", do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), desenvolvendo pesquisa junto à Faculdade de Educação da PUC-SP; lidera, ainda, o Grupo de Pesquisa “Políticas Públicas da Infância”, com registro no CNPq, desenvolvendo pesquisa junto ao Programa de Pós-Graduados em Educação: Formação de Formador.

O livro inicia-se com o prefácio de Ariana Cosme, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, em Portugal, que propõe algumas reflexões sobre as concepções de criança e infância que se têm na atualidade, as quais colocam a criança como sujeito histórico e produtora de cultura. Este livro provoca o leitor a pensar nas crianças como protagonistas, bem como na importância de se favorecer a colaboração entre

elas. É imperativo abandonar a visão adultocêntrica de educação, para a qual a única fonte de conhecimento é o educador.

Emília Cipriano inicia a obra explicando o motivo do título: relata que, há alguns anos, ao ministrar uma palestra, observou, em uma das pessoas da plateia, certo encantamento ao ouvir sua explanação. Ao fim, essa pessoa a procurou e perguntou: “Você se lembra de mim?” A autora ficou muito inquieta, pois enquanto professora, com muitos anos de profissão, por vezes, é difícil lembrar-se de todos os alunos. Ela respondeu que não se lembrava, mas percebeu que havia certa conexão entre elas. A moça então respondeu: “Eu fui sua aluna, no maternal”. É deveras impressionante perceber, neste relato, que décadas se passaram, mas a ouvinte da palestra mantivera a imagem da professora na memória. A partir deste relato, Emília passa a falar sobre as marcas que deixamos em nossas crianças. Será que, ao nos tornarmos professores, percebemos que passamos a ser referência a elas? Ressalta ainda que os educadores da infância têm um retorno rápido das relações de afeto que constroem com os pequenos.

A seguir, a autora passa a refletir sobre um dos grandes marcos que demonstram a mudança do olhar da sociedade em relação à infância. No caso brasileiro, foi a Constituição de 1988 que passou a tratar a criança como sujeito de direitos e não mais como alguém sob a tutela da família. Dois anos depois, surgiria o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para garantir os direitos das crianças de 0 a 12 anos. Em 1993, a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) surgiu para amparar famílias economicamente desfavorecidas, sendo mais uma forma de garantia aos direitos das crianças. Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) considerou, pela primeira vez, a educação infantil como primeira etapa da Educação Básica. No final de 2009, foram publicadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, com o objetivo de organizar as propostas pedagógicas oferecidas nessa fase. A lei do Marco Legal da Primeira Infância, em 2016, ressaltou a necessidade da participação das famílias/responsáveis no cuidado com as crianças pequenas. Em 2021, foi aprovada a Base Nacional Comum Curricular, que estabeleceu o brincar e as interações como premissas básicas da Educação Infantil. De acordo com esses documentos, o cuidar e o educar devem ser pontos indissociáveis no atendimento de crianças de 0 a 6 anos. A criança, de acordo com os documentos oficiais, deve ser compreendida como sujeito de direitos, ou seja, como uma pessoa que deve ser olhada de maneira integral. As crianças têm voz, têm espaço, são

construtoras de cultura e precisam ser observadas em todo o seu potencial, pois só desta maneira ter-se-á uma sociedade mais solidária e justa.

Porém, segundo a autora, ainda tem-se dificuldade de olhar as crianças pequenas em sua singularidade, especialmente no que diz respeito à organização do tempo e do espaço diante das demandas diferentes às de outras faixas etárias.

É inevitável observar que sempre há um olhar para a criança pequena, vislumbrando o futuro, tratando sua educação como um meio para torná-las cidadãs. Na verdade, a criança nasce cidadã. Não se deve enxergá-la como um eterno devir!

Há de se observar que as conquistas que constam dos documentos legais são importantes, porém, deve-se compreender, como bem pontua a autora, que a simples publicação de documentos não garante o atendimento a essas crianças. Existe ainda, em nossa sociedade, o fenômeno da invisibilidade da infância. Alguns grupos, de modo particular os mais carentes e desprovidos de boas condições socioeconômicas, muitas vezes, não aparecem sequer nas estatísticas. Devido a isso, é importante pensar-se em políticas públicas que atendam a infância invisibilizada.

Dados atuais mostram que, cada vez mais, famílias são chefiadas por mulheres. Desses dados, pode-se inferir que muitos lares são sustentados apenas por mulheres, sem a presença de um cônjuge masculino. Pode-se também observar que há crianças maiores cuidando das menores, que passam o dia sem a supervisão de um adulto – muitas são vítimas do trabalho infantil – e vivenciam inúmeras situações que colocam sua infância em risco.

A educação da infância, em um contexto diferente, pode dar um grande retorno à sociedade, como o aumento da escolaridade da população e, consequentemente, a melhoria do desempenho profissional e redução de gastos com saúde, reforço escolar e justiça penal.

Emilia Cipriano reflete sobre os conceitos de criança e infância que precisam ser contextualizados, pois, como a autora observa, não há uma única infância e não há apenas uma maneira de ser criança. Existem múltiplas infâncias que estão relacionadas a fatores diversos, como local de nascimento, cultura, condições socioeconômicas. Sendo assim, não se pode utilizar o termo como algo universal, pois as crianças estão inseridas em contextos diferentes. Crianças de regiões diferentes, com características socioeconômicas distintas, têm diferentes referências e hábitos muito particulares. Existe ainda a cultura infantil, aquela

construída entre crianças que, conforme explica a autora, tem relação intrínseca com a sociologia da infância, que a afirma com uma cultura própria. E, muitas vezes, essa cultura é construída dentro das instituições de educação infantil, onde muitas delas passam a maior parte do seu dia, ficando apenas à noite e aos finais de semana com os pais/responsáveis. Crianças têm grande competência para produzir cultura.

Porém, para que atuem como verdadeiras investigadoras, precisam ampliar seu repertório. É neste ponto que o professor precisa agir. Hoje, as crianças têm muito acesso à informação, mas, é necessário fazer com que essas informações tenham relação com suas vivências. O educador não deve oferecer respostas prontas, mas, sim, auxiliá-las a investigar e buscar as respostas para suas questões por meio de suas experiências. Contudo, para que essas culturas se desenvolvam e se revelem, é preciso ouvi-las e acolhê-las em suas hipóteses e pensamentos. As crianças revelam seus pensamentos constantemente. Cabe aos educadores buscarem meios de percebê-los.

Hoje, existem as assembleias, conselhos mirins, orçamento participativo, elaborados por crianças de 4, 5 e 6 anos de idade... No entanto, esses espaços precisam ser organizados de modo a escutar as crianças e levar em consideração o que elas dizem e propõem. A maneira de pensar das crianças precisa ser mais valorizada, pois mesmo as que ainda não dominam a linguagem oral, são capazes de se expressar de outras formas, por meio de gestos, atitudes, olhares, choro, expressão facial; em suma, por todos os meios com que demonstram seus sentimentos.

O educador precisa atentar-se e observar as descobertas das crianças. Para isso, o registro, seja ele fílmico, fotográfico, narrado, escrito, precisa ser realizado. As narrativas das crianças precisam ser descritas e valorizadas. Todos esses registros passam a constituir documentação pedagógica que favorece inúmeras análises e reflexões, como esclarece a autora. Ele não deve ser um documento para cumprir uma burocracia, mas deve reconstituir o percurso de aprendizado da criança, sendo de suma importância, que permite ao educador valorizar as narrativas das crianças e as descobertas que fizeram, mas, para isso, o registro não pode enfatizar um padrão de desenvolvimento único; ele deve revelar a diversidade das vozes infantis, e seus olhares singulares por meio de suas vivências cotidianas.

Para fazer a análise dos pensamentos infantis, a autora lista cinco preceitos básicos:

 

a) A observação, que se refere ao olhar investigador do professor para as falas e ações das crianças;

b) A documentação, ou seja, o registro de todas as ações das crianças, para posterior análise;

c) A escuta que, ao se tornar uma prática constante do educador, faz com que ele aprenda os sentidos que as crianças atribuem às próprias vivências e de que maneira estruturam seus pensamentos;

d) O diálogo como relação que se estabelece, na medida em que o educador entende as trocas que as crianças fazem; essa compreensão ocorre a partir da escuta, da observação e da documentação;

e) A análise, como investigação das ações do educador que contribui para o desenvolvimento da cultura infantil.

 

A autora alerta que as crianças, a partir de seus diálogos, ações, gestos, marcas escritas etc., dão as mais diversas pistas sobre seus medos, necessidades e preferências. Mas, os educadores só estarão aptos a compreender esses sinais a partir da escuta atenta e cotidiana, sem julgamentos, considerando as marcas da criança, seu potencial e suas contribuições culturais. Precisa-se abandonar o estereótipo de criança com base em preconceitos preestabelecidos e olhar para a criança real, cada qual com seu verdadeiro potencial de desenvolvimento. Para isso, é necessário o exercício dos cinco preceitos básicos propostos acima.

Emília Cipriano destaca que, muitas vezes, as/os educadoras/es queixam-se que as crianças não as/os escutam, mas, será que elas/eles escutam as crianças? A verdade é que as escutam muito pouco; há pouco diálogo, pouca troca e, consequentemente, pouca empatia.

A aprendizagem da criança deve ser observada a partir de seu próprio desenvolvimento, pois é ela quem dará os sinais. Entretanto, para que isso aconteça, é preciso um olhar investigador do/a educador/a que deseja compreender as hipóteses das crianças. Para ter esse olhar investigador, que considera as crianças como seres capazes, protagonistas, as/os educadoras/es precisam, também, ser autores, protagonistas do processo. Além disso, o professor precisa ser um leitor, precisa ter um repertório de experiências; do contrário, não

conseguirá ampliar o repertório das crianças. Além disso, a questão da intencionalidade da ação educativa deve estar presente em todas as ações. Por exemplo, a primeira questão a ser pensada é: por que os espaços da educação da infância se organizam de determinada forma? Por que os objetos devem ficar na altura das crianças? Por que as produções delas aparecem de determinada maneira nos painéis? Os espaços, como pontua a autora, baseada em estudos da pedagoga Maria Graça de Souza Horn, são educadores. O educador deve propiciar espaços de brincadeira que permitam à criança criar e se modificar. É a partir do brincar que a criança expõe seu pensamento. É a partir da brincadeira, da escuta das crianças, que se deve organizar o currículo da Educação Infantil.

A criança é uma exploradora do mundo: desde muito cedo, ela começa a tentar compreender o seu entorno e, quanto mais oportunidades são oferecidas para essa exploração, mais ela será investigadora. O propósito, hoje, deve ser o de formar pessoas que questionem, que busquem novos caminhos, novas possibilidades.

O educador deve ser um pesquisador das curiosidades infantis, valorizando as perguntas de seus educandos. Neste ponto, a autora fala sobre o trabalho com projetos, que pode ser muito rico como meio de atender aos interesses das crianças. Nas rodas de conversa, por exemplo, o educador definirá quais serão os temas dos projetos, quais serão os caminhos a seguir, mas sempre por meio do diálogo com as crianças.

O currículo da escola da infância deve valorizar as interações entre as crianças com os adultos e os saberes de toda a comunidade escolar. Aliás, também é preciso abandonar essa visão idealizada de família; abandonar o discurso da família desestruturada, lembrando que 45% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres. Muitas vezes, são os avós que cuidam das crianças. Também há as famílias homoafetivas, ou crianças que vivem só com o pai ou a mãe. A família precisa ser observada como uma categoria social, sob inúmeras formas de ser. Esse conhecimento é importante, inclusive, para se entender o contexto em que a criança vive e porque ela se expressa de determinada maneira.

Cipriano, ao abordar a questão da formação de professores, relembra os cursos de magistério, que tinham uma grande preocupação com a prática pedagógica. No curso superior, que passou a ser obrigatório para o exercício do magistério em muitos lugares, não há essa mesma preocupação. O curso superior, segundo a autora, ainda não consegue atender às demandas de formação para a prática pedagógica que a Educação Infantil necessita. Para a

autora, é preciso rever o currículo dos cursos de formação de professores, de modo a aprofundar o estudo das práticas pedagógicas in loco.

Ao longo de todo o livro, ao abordar as inúmeras questões que fazem parte do cotidiano dos educadores da infância, a autora apresenta relatos de experiências vivenciadas durante o seu trabalho como formadora de professores, como pesquisadora e como orientadora educacional. Também faz indicação de alguns autores que oferecem outras perspectivas sobre o trabalho do educador da infância.

A obra trata de vários temas sensíveis para a Educação Infantil, como as políticas públicas para esse segmento, a escuta das crianças, o registro, a documentação pedagógica, o trabalho com projetos, a formação de professores, sem, contudo, se aprofundar em nenhum desses temas, mas oferecendo diversas pistas e caminhos a serem seguidos, por meio de vários relatos da autora, com base em sua própria experiência profissional e pessoal, em todos esses quesitos.

Por tudo isso e por fim, a presente obra é indicada para estudantes, docentes, gestores, pesquisadores da Pedagogia e da infância, pois oferece a possibilidade de pensar sobre diversos temas que estão na pauta de todos aqueles que desejam construir uma Educação Infantil de qualidade.

 

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Biografia do Autor

Rosa Maria de Miranda Duarte

Possui graduação em Matemática pela Universidade Bandeirante de São Paulo(2005), graduação em Pedagogia Administração e Supervisão Escolar pela Universidade Bandeirante de São Paulo(2007), graduação em Tecnologia em construção Civil pela Universidade Estadual Paulista Julio De Mesquita F(2003) e especialização em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo(2010). Atualmente é Coordenadora Pedagógica da Prefeitura Municipal de São Paulo. 

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Publicado

22.12.2022

Como Citar

DE MIRANDA DUARTE, Rosa Maria. SANCHES, Emília Cipriano. Lembra de mim?: desafios e caminhos para profissionais da educação infantil. São Paulo: Cortez, 2021. EccoS – Revista Científica, [S. l.], n. 63, p. e22662, 2022. DOI: 10.5585/eccos.n63.22662. Disponível em: https://periodicos.uninove.br/eccos/article/view/22662. Acesso em: 26 abr. 2024.