Vol. 4 No. 1 (2015): Janeiro-Junho

Editorial RGSS Vol.4, N.1 – 2015

 

Desafios para a Gestão da Saúde no Brasil

A saúde persiste como a primeira preocupação dos brasileiros nos últimos cinco anos ultrapassando as questões relativas à segurança, à educação e à empregabilidade (IBOPE, 2015). É reflexo de diversos fatores, dentre os quais: uma maior consciência dos brasileiros quanto aos seus direitos, de uma grande atenção e divulgação pela mídia, dos problemas enfrentados pela baixa disponibilidade de serviços e pela qualidade desigual da atenção à saúde no Brasil. 

Desse modo são inúmeros os desafios dos gestores em saúde que atuam no nosso país. As muitas queixas relativas à falta de prevenção de doenças, de promoção à saúde, dificuldades de acesso, no agendamento de exames complementares, na realização de cirurgias, de consultas, de internações e de atendimentos de urgência vêm de longo tempo, antecedendo mesmo a implantação do sistema único de saúde (SUS) e das redes de atenção à saúde. A questão basilar que convido os leitores a refletir é porque os problemas são os mesmos após tantas inciativas e depois da implantação do sistema de saúde brasileiro há mais de 25 anos?

Primeiramente deve-se também considerar que com a publicação da CF de 1988, não houve à época nenhum estudo prévio que evidenciasse os recursos necessários para a implantação do SUS à época. Tão pouco foram elencadas prioridades e ou um planejamento de implantação com prazos definidos e destinação de recursos específicos para tal. Até os dias atuais, a implantação do SUS não é considerada completa (Brasil, 2015).

Uma das causas dessa implantação incompleta são os recursos destinados à saúde. De acordo com dados recentes do Banco Mundial, o Brasil gastou apenas 484 dólares americanos/habitante em 2014 em saúde pública (World Bank, 2015). Valor esse muito aquém do desejável se compararmos com o Reino Unido (USD 3004,3) ou mesmo com países outros da América Latina como a Argentina (570 dólares), Chile (719,6 dólares).

Além do mais, oferecer assistência à saúde gratuita para mais de 202 milhões de habitantes, em um país de dimensões continentais, caracterizado por iniquidades é tarefa de complexidade ímpar, ainda mais se considerarmos a concentração dos equipamentos e de profissionais de saúde em grandes centros da região Sudeste do Brasil, ficando as regiões mais carentes e que dependem quase que exclusivamente do sistema público mais sujeitas com problemas no acesso e na assistência à saúde em quaisquer níveis de complexidade mas, em especial naqueles de alta complexidade. Como exemplo o déficit de leitos hospitalares no Brasil que atualmente, é de 15.037 a 117.377 (CNES,2015) de acordo com a Portaria n.º 1101/GM - 12 de junho de 2002, elaborada pelo Ministério da Saúde (2002. Esse déficit é demonstrado nas constantes reportagens sobre falta de leitos hospitalares e que, só pode ser revertido com o aumento do número de leitos hospitalares, o que não tem sido observado nos últimos anos no Brasil.

Se nos detivermos na análise do número de leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) a situação é ainda mais dramática, pois dos 40.224 leitos de UTI no Brasil, conforme dados do CNES (2015), apenas 19.925 são destinados aos serviços públicos resultando em 1,26 leitos de UTI/10.000 habitantes, enquanto que há 20.299 leitos de UTI nos serviços de saúde privados/conveniados, o que dá uma taxa de 3,97 leitos de UTI/10.000 habitantes. Essa desigualdade também é revelada, muitas vezes, pela mídia reportando a dificuldade no acesso às vagas de UTI em hospitais públicos. Também quanto aos leitos de UTI esse déficit somente será neutralizado se for aumentado o número de leitos de UTI nos hospitais públicos brasileiros. Além do mais, há que se ponderar que a medicina muito avançou desde a publicação da Portaria que estabelece os parâmetros numéricos para oferta de leitos hospitalares e de UTI no país que data de 2002.

Assim, a filosofia de deshospitalização deveria ser suportada por uma rede de atenção básica ágil e integrada com os diferentes equipamentos de saúde. Ainda nos dias atuais o SUS não foi completamente implantado no país; há problemas na rede de atenção primária como falta de pessoal, de infraestrutura e o sistema de referência e contra referência deixa a desejar contribuindo para as longas filas em prontos-socorros de hospitais públicos de todo país. Em paralelo, torna-se muito complicado o planejamento e operacionalização de unidades de urgência /emergência em hospitais públicos por conta de uma demanda que, na realidade deveria ser atendida em unidades básicas de saúde. Portanto, o fortalecimento das UBS é fundamental para a melhoria saúde no Brasil. Também deve-se envidar esforços para que as UBS estejam perfeitamente integradas na rede de atenção à saúde, propiciando que também pacientes em regime hospitalar possam ser acompanhados adequadamente nas UBS após a alta.

A judicialização da saúde, fenômeno relativamente recente no nosso país, mas com tendência crescente tem acarretado graves prejuízos à elaboração de plano de metas e ações em saúde pública (Almeida, 2013). Uma das estratégias para minimizar esse impacto consiste nas câmaras técnicas a serem instaladas com o objetivo de proporcionar os subsídios para a decisão judicial. 

Embora com recursos escassos, deve-se reconhecer que muito tem sido feito desde a publicação da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988) que, em seu artigo no.196 especifica que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado. Vários programas instituídos pelo Ministério da Saúde são de sucesso internacional e antecedem até mesmo 1988 como o Programa Nacional de Combate ao HIV/AIDS do Ministério da Saúde. Esse programa inclui desde medidas para a prevenção da transmissão de HIV/AIDS, a testagem e a distribuição gratuita de medicamentos antirretrovirais em qualquer fase da doença. Outro programa de destaque é o de imunização, que foi implantado há mais de 40 anos e que apresenta uma das mais altas taxas de imunização da população em nível global.

Neste número da Revista Gestão em Sistemas de Saúde foi dado destaque para artigo de Macedo et al, 2015 que avalia o desempenho do SUS nas regiões brasileiras.

Finalizando, os desafios são correntes cabendo aos gestores em conjunto com a sociedade civil, entidades de classe e governantes a elaboração de estratégias que possibilitem as condições para a apropriada oferta de serviços públicos em saúde no Brasil.

 

Referências

Almeida, N. D. (2013). A saúde no Brasil, impasses e desafios enfrentados pelo Sistema Único de Saúde: SUS. Revista Psicologia e Saúde,5 (1), 01-09.

Brasil. Casa Civil (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília. Recuperado em 17 de julho de 2015 de http://www.planalto.gov. br/civil_03/constiuicao/constitui%C3%A7ao.htm.

Brasil. Ministério do Planejamento (2011). Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Pesquisa sobre a saúde brasileira. Brasília. Acessado de http://ww.ipea.gov.br.

Conselho Nacional de Estabelecimentos de Saúde (2015). Relatório de consulta de leitos. Recuperado em 31 julho, 2015, de http://cnes.datasus.gov.br/Mod_Ind_Tipo_Leito.asp?VEstado=00.

Federal, C. Saúde pública no Brasil ainda sofre com recursos insuficientes. Recuperado em 17 de julho de 2015 de http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/SAUDE/480185-SAUDE-PUBLICA-NO-BRASIL-AINDA-SOFRE-COM-RECURSOS-INSUFICIENTES.html

IBOPE. 77% dos brasileiros com mais de 50 anos consideram a saúde a principal preocupação na vida. Recuperado em 17 de julho de 2015 de http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/Paginas/Pesquisa-inedita-revela-que-77-dos-brasileiros-com-mais-de-50-anos-consideram-a-saude-a-principal-preocupacao-na-vida-.aspx.

Macedo, FFRB, Moura, GD de, Sant'Ana V, Silva, TP. Análise do desempenho do SUS nas diferentes regiões brasileiras. Revista Gestão em Sistemas de Saúde, 3, 01-16.

Portaria n.º 1101/GM. (2002, 12 de junho). Parâmetros de cobertura de assistência do Sistema Único de Saúde. Recuperado em 04 março, 2014 de http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2002/Gm/GM-1101.htm.

World Bank. Public expenditure in helath care. Recuperado em 18 de julho de 2015 de http://data.worldbank.org/indicator/SH.XPD.PUBL.

 

Marcia Cristina Zago Novaretti

Editora Científica

 

Simone Aquino

Editora Adjunta

Published: 2015-08-25

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