A tokenização, blockchain e web 3.0 como objetos de pesquisa em inovação

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5585/iji.v10i1.21768

Palavras-chave:

TOKENIZATION, BLOCKCHAIN, WEB 3.0, INNOVATION MANAGEMENT

Resumo

Há 14 anos, foi transmitido o e-mail supostamente atribuído à Satoshi Nakamoto (supostamente um pseudônimo) que descrevia o desenvolvimento de uma moeda eletrônica (Nakamoto, 2008). A concepção dessa moeda eletrônica representava a solução do problema geral Bizantino, conhecido problema da área da computação, que em linhas gerais define, que uma das partes de um sistema pode falhar de forma intencional, e com isso, indisponibilizar toda a rede. Portanto, a premissa é de que parte do sistema é corrupto (Dolev et al., 1982). Nas poucas linhas do e-mail, Satoshi Nakamoto descreveu tal solução em um artigo disponibilizado na mesma data. O artigo descreve como transmitir uma informação dentro de uma cadeia de blocos que são: sincronizados com data e hora (time stamp); combinados com um código que depende de um bloco anterior (hash code); pode ser validado com a estrutura de criptografia de chave pública e privada de forma anônima e descentralizada; mas altamente resiliente a qualquer tentativa adulteração e com registro público. O conceito de moeda digital, nesse caso o Bitcoin, consistia naquele momento num código ou token resultante de criptografia e que poderia ser incluída nesses blocos. Blocos registrados de forma definitiva nos ledgers distribuídos ao longo da rede blockchain que poderiam ser rastreados. A estrutura digital desenvolvida por Satoshi Nakamoto, ainda que tenha surgido para viabilizar o Bitcoin como uma moeda digital, foi separada ao longo dos últimos 14 anos. Blockchain pode ser entendido como uma tecnologia de comunicação descentralizada que deu origem a uma família de outras estruturas tecnológicas de comunicação criptografada como os ecossistemas, blockchain públicos, blockchain privados e redes de blockchain, principalmente (Mazumdar & Ruj, 2022). Já as moedas digitais, também se desenvolveram em variedade e quantidade, tanto que enquanto escrevemos esse comentário editorial há mais de 10 mil moedas digitais em funcionamento. O valor da capitalização total das moedas digitais saíram de 18 bilhões USD no começo de 2017, ultrapassando 1,4 trilhões USD até a metade de 2021 (Su et al., 2022). Em princípio, atualmente, não há impedimento tecnológico para que empresas criem suas próprias moedas digitais usando uma rede Bitcoin ou uma rede Etherium, por exemplo, assim como muitas outras redes à disposição.

Obviamente, ainda nos dias de hoje, há desafios técnicos relacionados, principalmente, a escalabilidade dessas redes e moedas. O Bitcoin, quando criado, tinha capacidade para 7 transações por segundo, atualmente, enquanto escrevemos esse comentário editorial, a capacidade de transação da rede Bitcoin (BTS) é de 14 transações por segundo. Já a rede Etherium (ETH) nasceu com a capacidade de 20 transações por segundo e, atualmente, apresenta a capacidade de 35 transações por segundo. Para fins de comparação, a rede VISA tem a capacidade de 1700 transações por segundo, o que permite perceber que há ainda algum caminho para tornar as redes de blockchain o novo backbone de comunicação, escaláveis para usos mais massificados (Chauhan & Patel, 2022). Há implementações da rede Solana, por exemplo, que promete alcançar 50 mil transações por segundo, ainda em fase de confirmação do ponto de vista prático, o que poderia permitir rodar aplicações de Internet das Coisas (IoT) nessa rede blockchain (Duffy et al., 2021).

Concomitantemente, desde 2013 fora implementada a reorganização da estrutura de TCP IP de IPV4 (4.2 bilhões de endereços IP) para IPV6 (79 octilhões de endereços IP ou 7,9 x 10^28 a mais que o total de endereços IPV4). Tal implementação possibilitou ampliar a conectividade para um patamar suficiente para a demanda mundial que é de 56 octilhões (56 x 10^28) de endereços por ser humano da terra. Em termos de endereçamento, estão garantidas as possibilidades de conexão de novos e futuros elementos na rede de comunicação internet/blockchain, efetivando a IoT (Internet das coisas) como uma possibilidade real.

Além das aplicações tradicionais dedicadas a viabilizar a moeda digital, especialmente nos últimos 5 anos, determinadas obras resultantes da junção de tecnológica da informação e da criatividade humana (também nomeada como economia criativa) trouxe ao cenário da gestão os NFT (Non- Fungible Token). NFT são tokens (produzidas por meio de código criptografado, subscrito em alguma rede blockchain) que expressam a propriedade do seu autor. Quem adquire um NFT, tem seu registro gravado em um ledger e, portanto, pode exercer os direitos ou benefícios relacionados à posse desse NFT. São duas as origens principais de um NFT, os jogos digitais e as obras de arte ou expressões gráficas (Vasan et al., 2022). No caso dos jogos digitais, NFT podem ser usados para registrar de forma permanente e nominal as conquistas alcançadas dentro de determinado jogo. O seu detentor passa a ter a posse de determinado item que, anteriormente, só existiria dentro do próprio jogo, um ambiente virtual (digital). No caso das expressões gráficas, artísticas e demais obras de arte, é possível tornar sua posse digital. Obras do ambiente natural (físico), resultado das expressões da criatividade humana, passam a ser registradas num token do tipo NFT, passando a existir no mundo virtual (digital). Dessa forma, as obras, e os dados de sua a autoria e propriedade passam a ser permanentemente registradas no ledger de uma rede blockchain especializada em transacionar NFT. Da mesma forma que no jogo, a posse de um NFT de uma obra artística permite ao autor comercializar ou usar os benefícios relacionados a posse deste NFT.

Da convergência de tecnologias de conectividade como a computação em nuvem, o advento do IPV6 e das tecnologias baseadas em tokens (blockchain, criptoativos e NFT não exaustivamente) torna-se viável o conceito da Web 3.0. A Web 3.0 pode ser entendida como uma rede de pessoas e objetos físicos, tornando mais intensa a integração entre o mundo natural e o mundo virtual (realidade aumentada, virtual e mista). A ideia de um Metaverso (Aplicação do conceito Web 3.0) depende da disponibilidade tecnológica que descrevemos aqui de forma muito sucinta e da efetivação de novos comportamentos sociais que estão em curso (Korkmaz et al., 2022).

O contexto descrito não é uma novidade para maioria dos praticantes e acadêmicos envolvidos com inovação. No entanto, ao descrevê-lo em linhas gerais, podemos identificar diferentes objetos de pesquisa que poderão interessar à comunidade que trabalha no campo da gestão da inovação. Evidentemente, dentro das perspectivas de pesquisa, em especial de gestão da inovação, podem ser estabelecidas lógicas paralelas com as teorias ou conceitos mais estabilizados, que permitam uma aproximação com os novos objetos tecnológicos disponíveis para as pessoas e empresas. Tais tecnologias vem permeando empresas tradicionais e startups que tem foco específico nestas tecnologias de conectividade descritas como core business.

A ideia desse comentário editorial é reconhecer a possibilidade de receber mais artigos tecnológicos ou artigos científicos, perspectivas e resenhas de livros que considerem as tecnologias de conectividade e de tokenização como objetos de pesquisa. Tais tecnologias podem ser posicionados na pesquisa tanto como objetos de análise, quanto como objetos contextuais e organizacionais. Se contextuais e organizacionais podem trazer pesquisas envolvendo rotinas, capacidades, competências e modelos de negócios, cujo processo central de negócios é a inovação em diferentes escalas, naturezas, graus de novidade, etapas da difusão ou adoção. Para citar apenas uma possibilidade, como exemplo, o modelo de Tidd e Bessant de 2009, que descreve o construto de orientação a estratégia de inovação, usado em diversas pesquisas da área de inovação desde então, pode ser revisto nos novos contextos ou em face das novas tecnologias (Ferreira et al., 2015). Se tais tecnologias são posicionadas como objetos de análise, as pesquisas podem envolver cada parte do processo de gestão da inovação como a busca de inovações, seleção de inovações, implementação das inovações, geração de valor com inovações e captura de valor com inovações em análise de nível único ou multinível. Além do posicionamento direto das tecnologias baseadas em tokens e blockchain, como objeto ou como um aspecto contextual, são esperados efeitos adjacentes que envolvem a propriedade intelectual a sustentabilidade ambiental e social, a governança tecnológica a gestão de pessoas e outras consequências que podem ser foco de pesquisas, considerando as tecnologias emergentes ora mencionadas. Há ainda o campo de pesquisa que se dedica ao desenvolvimento de novos produtos, tanto definindo novos modelos de desenvolvimento de produtos digitais, quanto métodos derivados desses modelos, sem deixar de mencionar todas as implicações relacionadas às questões da gestão da segurança da informação envolvidas nestes contextos das transações com tokens (Baudier et al., 2022). Embora sejam amplas as possibilidades de desenvolvimento teórico e gerencial para a área de pesquisa da inovação, envolvendo as tecnologias baseadas em tokens e blockchain, há pesquisas que podem ser muito relevantes, mas que seriam mais bem recebidas em periódicos de matemática, ciências da computação ou até engenharia de software e não nos periódicos dedicados à inovação. Pesquisas que desenvolvem um novo modo de fazer a criptografia, ou ainda um algoritmo mais eficiente que permite aumentar a capacidade de transação por segundo, a concepção de uma nova rede ou um novo ecossistema baseado em blockchain ou ainda pesquisas que desenvolvam melhorias nos protocolos de consenso do blockchain, sem dúvida tem grande valor, mas seriam esperadas em journals de engenharia ou matemática. Em outra mão, há pesquisas que trazem os relatos de implementações de uma aplicação empresarial sobre uma base blockchain, seja como aplicação de apoio aos negócios, ou seja na forma de concepção de um produto baseado em blockchain que será levado ao mercado (Wan et al., 2022). Nesses casos, pesquisas aplicadas, do ponto de vista da pesquisa em inovação, o que se espera encontrar no artigo é o desenvolvimento de conhecimento que demonstra como, porque ou em que medida os processos de inovação foram sensibilizados, ou de que forma o processo de inovação contribuiu ou apresentou limitações para suportar a implementação relatada. Desta forma, tais pesquisas podem ser recebidas como artigos tecnológicos, uma vez que estarão presentes os elementos teóricos que relacionam o processo de inovação, ou da gestão do processo de inovação com a implementação baseada em token ou blockchain, sendo estas, as bases de análise usadas para sustentar a expansão de teorias de inovação, gestão da inovação ou práticas gerenciais em contextos de inovação.

Finalmente, convidamos toda a comunidade a enviar trabalhos com discussões teóricas relacionadas aos deslocamentos de paradigma, envolvendo a natureza desmaterializada dos novos produtos e sua tendência para a visão orientada a serviços (Jain et al., 2022).

Como deve estar claro, não foram exploradas nesse comentário editorial todas as possibilidades de pesquisa em gestão da inovação envolvendo as tecnologias baseadas em tokens e blockchain, mas apenas alguns poucos exemplos que podem auxiliar na obtenção de insights. Pretendemos, de alguma forma, encorajar a comunidade da inovação a desenvolver estudos considerando as novas tecnologias, desenvolvendo ou expandindo teorias e o conhecimento de inovação.

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Biografia do Autor

Marcos Rogério Mazieri, Universidade Nove de Julho

Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Administração

Isabel Cristina Scafuto, Universidade Nove de Julho, São Paulo

Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Administração

Priscila Rezende da Costa, Universidade Nove de Julho

Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Administração

Referências

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Publicado

17.03.2022

Como Citar

Mazieri, M. R., Scafuto, I. C., & da Costa, P. R. (2022). A tokenização, blockchain e web 3.0 como objetos de pesquisa em inovação. International Journal of Innovation – IJI, 10(1), 1–5. https://doi.org/10.5585/iji.v10i1.21768

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