MORIN, Edgar. É hora de mudarmos de via as lições do coronavírus. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. Rio de Janeiro Bertrand Brasil, 2020. 97 p.

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DOI:

https://doi.org/10.5585/38.2021.20226

Resumo

Edgar Morin é um pesquisador francês nascido em Paris no ano 1921, em uma família de origem judaica. Sua mãe morreu quando ele tinha 10 anos de idade, mas apenas tomou conhecimento desse fato aos 30. É formado em Direito, História e Geografia e também já realizou estudos em Filosofia, Sociologia e Epistemologia. Fez parte do Partido Comunista e da Resistência Francesa ao regime nazista. Em contraposição à visão tradicional e reducionista da ciência clássica, que mutila e isola os objetos de estudo, desenvolveu a teoria da complexidade, que propõe que o conhecimento deva ser construído considerando o fenômeno a ser estudado como um todo, constituído de várias partes, ao mesmo tempo complementares, concorrentes, antagônicas e interdependentes. Entre suas publicações, destacam-se: Introdução ao pensamento complexo (1990), Cabeça bem-feita (1999), Os sete saberes necessários à educação do futuro (2000) e O método, obra dividida em seis volumes, publicados a partir de 1977.

Em É hora de mudarmos de via: as lições do coronavírus, o autor elabora um panorama da pandemia do coronavírus, suas consequências, seus prováveis desdobramentos futuros e possíveis caminhos a serem tomados pela humanidade no pós-crise.

No preâmbulo do livro, Morin, que chega a um século de vida em 2021, compartilha vivências pessoais que impactaram sua formação pessoal, tendo como pano de fundo os principais acontecimentos históricos mundiais durante os cem anos que antecederam a pandemia de 2020. Aliás, como bem lembra o autor nessa parte inicial, ele mesmo nasceu ao final da última pandemia pela qual o planeta passou, a da gripe espanhola, explicando o porquê de se considerar uma vítima indireta daquele evento.

Logo em seguida, descreve de que maneira a crise econômica mundial de 1929, a ascensão do nazismo na Alemanha a partir dos anos 1930 e as consequências desses dois grandes acontecimentos marcaram sua infância e adolescência e o incentivaram a estudar a obra de Karl Marx, embora Morin tenha se enveredado mais profundamente em Hegel, autor que influenciou enormemente suas teorias do pensamento complexo. Enveredando pela Segunda Guerra Mundial, Morin discorre sobre sua entrada na Resistência Francesa à ocupação hitleriana e sua adesão ao comunismo enquanto o turbulento conflito bélico devastava a Europa e, posteriormente, sobre os fatos ocorridos nos anos 1950, que o levaram à oposição ao stalinismo, fatos esses que lhe proporcionaram as reflexões germinativas das primeiras ideias de O método, sua principal obra.

O autor continua contextualizando seu cotidiano e de seu país durante o maio de 1968, ocasião em que explodiram na França as revoltas estudantis contra o sistema educacional e os valores socioculturais vigentes. A seguir, descreve como se tornou um dos pioneiros de uma política ecológica a partir dos anos 1970. Finaliza o preâmbulo apresentando a razão de a pandemia de coronavírus ter confirmado ainda mais suas convicções acerca de uma consciência ecológica nascida cinquenta anos antes. Na introdução, Morin destaca as consequências gerais da pandemia de 2020 e seus diferenciais em relação a epidemias globais anteriores.

O primeiro capítulo é inteiramente dedicado a apresentar as quinze lições que o coronavírus pode proporcionar à humanidade. Em cada uma delas Morin reflete sobre as insuficiências governamentais, empresariais, científicas e sociais, que refletem negativamente na capacidade de enfrentamento de graves desafios globais, apresentando as consequências caóticas da pandemia de 2020 como bases argumentativas que corroboram a ideia da existência de tais deficiências.

O autor reflete sobre as reais necessidades de consumo, as aspirações humanas, os contrapontos entre o poder da humanidade sobre a natureza e a fragilidade da primeira diante da segunda, as falsas certezas perante situações desconhecidas, a relação, ou a falta da relação dos humanos com a morte e os motivos que levaram a um aparente despertar solidário entre as pessoas. Também elabora um panorama sobre os diversos tipos de desigualdades socioeconômicas escancaradas pela crise sanitária, os diferentes cenários, gestões e resultados de medidas adotadas para a contenção da pandemia, a depender do país, e o caminho que leva ao desencadeamento de uma crise e suas consequências.

Usa ainda a teoria da complexidade para discutir como o combate à pandemia pela ciência, em especial pela medicina, vem sendo afetado pela compartimentação de saberes especializados que não dialogam, como a crise vem deixando claro que o progresso científico é marcado, ao mesmo tempo, por cooperação e competição, e como o coronavírus tem mostrado a importância de não se encarar as teorias científicas como verdades absolutas e de se ter uma visão complexa do conhecimento.

A finalização do primeiro capítulo explora as falhas do Estado neoliberal que são capazes de agravar exponencialmente as consequências de crises que por si só já possuem grandes proporções. Ainda apresenta fatos decorrentes da pandemia que expõem a necessidade de maior autonomia dos países em relação à produção interna de aparatos de primeira necessidade, questiona a disposição das nações em se solidarizarem umas com as outras e explora os efeitos econômicos, sociais, culturais e ambientais da globalização sobre os seres humanos dentro do contexto pandêmico.

Uma vez amenizada, ou até mesmo resolvida a crise sanitária, o período pós-pandemia revelará alguns desafios políticos e econômicos que são apresentados por Morin no segundo capítulo do livro. O autor inicia essa parte descrevendo os desafios existenciais, ligados aos valores de tempo, solidariedade e relações interpessoais. Em seguida, é realizada uma reflexão acerca da crise política que o autor acredita que se deflagrará, assumindo uma posição crítica e apresentando argumentos contra as bases do neoliberalismo.

Em seguida, Morin volta a falar sobre globalização para discuti-la diante dos efeitos da pandemia e explicar as razões pelas quais seu atual modelo pode vir a ser problemático no período pós-crise sanitária. O autor discorre também sobre o desafio da democracia, ao dizer o porquê ela já estava em crise antes da pandemia e o porquê tal crise democrática pode ser agravada a partir do período pandêmico. Morin apresenta ainda o desafio da proteção ecológica, como a pandemia foi capaz de favorecer o meio ambiente e como as ações sustentáveis podem continuar.

O desafio da crise econômica é também citado pelo autor quando este traz questionamentos a respeito das incertezas financeiras com as quais o mundo começa a se deparar por conta do surgimento do coronavírus. Morin aproveita o ensejo para citar o desafio das incertezas, não apenas econômicas, mas em relação ao futuro. Propõe, assim, novos questionamentos, dessa vez sobre diplomacia e cooperação internacional. Explica por que a pandemia pode elevar os perigos de retrocessos intelectuais, morais, democráticos e bélicos. O autor finaliza o capítulo refletindo a respeito da influência da pandemia sobre o espectro da morte entre os seres humanos.

Após os desafios apresentados no segundo capítulo, é necessário propor caminhos que levem a humanidade a superá-los, o que Morin faz no terceiro e último capítulo do livro. Tais caminhos constituem uma nova “via”, sendo que o autor explica o porquê dessa denominação, ao invés de “revolução” ou “projeto de sociedade”. Essa nova “via” comporta cinco políticas. A primeira é uma política da nação, que envolve novas noções, explicadas em detalhes pelo autor, de soberania e globalismo. Morin apresenta os argumentos que justificam a necessidade de complementaridade, concorrência e antagonismo entre globalização e desglobalização, crescimento e descrescimento, desenvolvimento e envolvimento. O autor discorre também sobre as relações complexas existentes na cultura de uma nação, e que precisam ser valorizadas e preservadas, entre unidade e diversidade nacionais.

A necessidade de reforma do Estado também está presente na política da nação. Morin apresenta as patologias administrativas geradas pela burocratização e quais são os princípios reorganizadores que devem reger a reforma no campo econômico, empresarial, democrático, ecopolítico, do pensamento e da sociedade, detalhando as propostas de reforma para cada um desses campos.

Ao falar sobre a política civilizacional, Morin contrapõe as características positivas e as características negativas do progresso da civilização, em especial da civilização ocidental, proporcionada pelo avanço da ciência e da tecnologia nos últimos anos, de modo que tais características, além de antagônicas, são concorrentes e complementares. O autor detalha uma proposta de nova política de civilização que viabilizaria o sentimento de felicidade na humanidade e o aumento da qualidade de vida, ao mesmo tempo em que se preservaria o meio ambiente. Sobre essa política, Morin também diferencia o viver prosaicamente do viver poeticamente.

Morin apresenta uma política da humanidade, explicando como é possível preservar as culturas de cada país e, concomitantemente, criar um senso de comunidade global, promovendo a mitigação de preconceitos de toda ordem, como o xenofóbico, por exemplo. O autor cita especificamente a situação dos povos migrantes e dos povos primígenos, desenvolvendo propostas de proteção a essas comunidades.

Em seguida, Morin fala sobre uma política da Terra, com ideias a respeito da economia de água, bem como do acesso à água potável, da promoção de energias renováveis e do tratamento de resíduos. Também explica por que é importante se criar uma conscientização acerca da solidariedade planetária.

Por fim, a última política se trata do que Morin chama de humanismo regenerado. O autor discorre sobre como uma concepção complexa dos seres humanos, ou seja, complementar, concorrente, antagônica, hologramática, recursiva e dialógica, pode contribuir para a passagem de um humanismo voltado à dominação da natureza para um humanismo que reconheça suas forças e fraquezas e revitalize a ética para que ela seja baseada na responsabilidade, na sensibilidade e na solidariedade.

Na conclusão, Morin faz as últimas reflexões sobre a condição dos seres humanos em um contexto de duas globalizações concorrentes, explicadas pelo autor nessa parte do livro, e no contexto pós-pandêmico. Faz ainda uma reflexão sobre sua própria condição pessoal na contemporaneidade.

É hora de mudarmos de via: as lições do coronavírus é uma leitura excelente e recomendada a todos aqueles que gostariam de obter a contribuição da perspectiva do pensamento complexo sobre os desafios trazidos pela pandemia de covid-19, bem como sobre os possíveis novos caminhos que podem e devem ser traçados em vista de seus efeitos. Embora o livro traga muitas propostas que dependem de políticas públicas e, consequentemente, dos gestores públicos para ocorrerem, é justamente isso que o torna democrático, visto que tais políticas podem ser pensadas e promovidas pela participação da sociedade civil interessada em transformar as experiências da pandemia em respostas voltadas a uma humanidade mais solidária e sustentável.

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Biografia do Autor

Rafael Pires Barbosa, Universidade Nove de Julho

Mestrando em Educação

Carlos Eduardo Santos Cardozo, Universidade Nove de Julho

Mestrando em Educação

Elaine Teresinha Dal Mas Dias, Universidade Nove de Julho

Doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano

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Publicado

16.08.2021

Como Citar

BARBOSA, Rafael Pires; CARDOZO, Carlos Eduardo Santos; DIAS, Elaine Teresinha Dal Mas. MORIN, Edgar. É hora de mudarmos de via as lições do coronavírus. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. Rio de Janeiro Bertrand Brasil, 2020. 97 p. Dialogia, [S. l.], n. 38, p. e20226, 2021. DOI: 10.5585/38.2021.20226. Disponível em: https://periodicos.uninove.br/dialogia/article/view/20226. Acesso em: 13 nov. 2024.

Edição

Seção

Resenhas