A matemática é política, Chiara Valerio, Belo Horizonte: Editora Âyiné, 2021. 103 p

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DOI:

https://doi.org/10.5585/41.2022.22417

Resumo

A matemática é vista, às vezes, como algo inatingível, de difícil aplicação e que apenas os “gênios” conseguem compreender. Não é incomum se ouvir pessoas relatarem situações diversas, por vezes envolvendo receio, dificuldade, ou mesmo facilidade, em lidar com a matemática. Na área da educação se trata, conforme é sabido, de um dos temas mais desafiadores para se trabalhar quando o assunto em pauta são as dificuldades de aprendizagem e ensino, sobretudo, no ensino básico.

O livro A matemática é política é uma dessas obras passíveis de se tornar popular, ainda que trate de um tema complexo, uma vez que a autora apresenta, em linguagem bastante acessível, certas inquietações em que a matemática pode servir de meio para esclarecimentos e, outras vezes, para gerar novos questionamentos. O livro se divide em treze capítulos escritos em um agradável estilo ensaístico e uma abordagem muito atualizadora sobre o universo da matemática.

A autora, Chiara Valerio, é Ph.D em Cálculo das Probabilidades pela Universidade de Nápoles. Ensaísta, atualmente trabalha também como editora da revista italiana Nuovi Argomenti, além de contribuir para o blog literário Nazione Indiana. Atuou em programas de rádio, escreveu peças de teatro e trabalhou em diversos jornais. É curadora do programa "Ad alta voce" na Rádio 3, ao lado de Anna Antonelli, Fabiana Carobolante e Lorenzo Pavolini. Atualmente, trabalha como editora-chefe da seção dedicada à narrativa italiana da editora Marsilio. Escreve para o jornal italiano La Repubblica, para a revista Vanity Fair, para a publicação semanal L'Espresso e para a publicação mensal Amica. Em outubro de 2016, foi nomeada diretora cultural da "Tempo di libri", a feira do livro de Milão.

Já no primeiro capítulo “A Matemática é aquela Ciência”, apresentam-se algumas indagações sobre o modo como a matemática é vista e trabalhada em diversos contextos. Há uma crítica sobre a matemática, em geral, ser apresentada fora do espaço e tempo do contexto da sala de aula. Conforme a autora, ela é apresentada por todo um conjunto de procedimentos ao longo de toda a educação básica. Procedimentos estes que geralmente não fazem sentido algum para o aluno.

E o matemático então? Costuma ser visto como um “ser superior” que não erra nunca em seus cálculos e demonstrações. Mas o que a autora nos lembra é que se trata de um ser humano que, assim como os demais, também erra e tem suas fraquezas. Contudo, por ser considerado como um “ser superior”, seus erros dificilmente são vistos.

Em “Verdade e consequência”, Valerio apresenta sua inquietação em relação ao conceito de verdade absoluta. Não concorda com o fato de que uma verdade não possa ser relativizada. A matemática, segundo ela, foi o caminho que a vida lhe ofereceu para que pudesse começar uma revolução. Para ela, tal revolução é a “impossibilidade de aderir a qualquer sistema lógico, normativo, cultural e sentimental no qual exista a Verdade absoluta, o líder, a autoridade imposta e indiscutível” (p. 14).

As certezas perenes não existem e, para ilustrar esse fato, ela apresenta seus argumentos por meio de contextos históricos. Inúmeros conceitos matemáticos são usados por centenas de anos sem que ninguém os questione. Isso ocorreu por muito tempo, por exemplo, com os postulados de Euclides. Até o jesuíta italiano Giovanni Girolamo Saccheri ser um dos primeiros a chegar mais perto da questão, tendo a coragem de questionar a verdade absoluta dos postulados euclidianos. Contudo, tentar invalidar, ou mesmo questionar a obra matemática de Euclides não é uma tarefa fácil.

A religião e a matemática, em muitos momentos podem se afastar, como, por exemplo, a matemática não admitir o princípio da autoridade, devido ao raciocínio lógico. Todavia, quando o fato em questão é, por exemplo, questionar a obra de Euclides, tem-se um consenso que chega a soar dogmático, como na religião: “uma Geometria que não seja euclidiana, além de não ser útil, é blasfema” (p.27).

Em “Lições de Casa”, a autora faz uma relação entre o tempo e a memória. Sua escrita se contextualiza com a atualidade ao mencionar a pandemia gerada pelo vírus Covid-19. Com esse evento que assolou o mundo a partir de 2020, e se manteve em 2021, pudemos pensar a forma como o tempo passou a ser de contato e sentido de maneira diferente do que se percebia anteriormente.

A matemática se relaciona a hobbies e a práticas que temos no dia a dia. É também, conforme a autora, a disciplina mais democrática de todas porque todos podem ter acesso a ela em todos os níveis de escolaridade.

“A instrução é horizontal, a cultura é vertical (Autoficção)” é um capítulo que proporciona um momento de reflexão em que Valerio, com um tom de pesar, nos mostra como os professores são influenciados e reproduzem aquela formação que tiveram quando mais jovens, esquecendo-se, em muitos momentos, de que o mundo mudou e que eles precisam mudar também.

Muitos professores já devem ter ouvido a frase “Para que serve estudar Matemática”, mas em tom de pergunta. Valerio a apresenta nesse capítulo em forma de afirmação. Com sua escrita agradável, mas sem abrir mão do rigor da análise em nenhum momento, apresenta esse tema nesse capítulo, apresentando livros e situações-problema propostos por professores, onde a matemática aparece descontextualizada ou situações em que a contextualização é apresentada de maneira extremamente forçada.

Em especial, chama a atenção a referência que a autora faz aos números complexos. É como se ela tentasse lançar mão de um universo onde tudo aquilo que não pode ser resolvido pelos números reais, possa ser vislumbrado no conjunto dos números imaginários (complexos).

Seguindo pela obra, em “Democracia e Matemática”, Valerio compara a democracia e a ditatura. Para ela, a matemática é democrática porque “baseia-se em um sistema partilhado de regras continuamente negociáveis e continuamente verificáveis” (p. 58), enquanto a ditatura não se desenvolve e não se interpreta. Vê-se, hoje em dia, muitas democracias sendo minadas pelo fato de seus governantes não terem noções mais aprofundadas de matemática. E, por fim, ainda se pergunta: para que se aprende matemática?

A matemática é uma ciência em que a gramática e a interpretação fazem toda a diferença. “A matemática não é a Ciência dos objetos, mas das relações entre os objetos, assim como a Gramática é a Ciência das relações entre as palavras” (p. 43).

Por um momento, parece até que a autora está se referindo ao Brasil no capítulo “O primeiro erro de avaliação somos nós”. Por esses tempos em que certos governantes demonstram, perigosamente, uma tendência a não querer respeitar a nossa carta magna, a Constituição Federal. Valerio expõe que estudar matemática é algo importante aos constitucionalistas. Isso porque a matemática define regras que serão usadas em todos, ou quase todos, os casos. A constituição nos permite ter regras que deveriam ser seguidas por todos.

“Infodemia” é uma abordagem sobre o excesso de informações relacionado a questões de teor matemático na atualidade. Em “Superatividade”, a autora se remete ao tempo de pandemia, em que tivemos um excesso de informações que nos levaram, no limite, a uma espécie de paralisia causada pelo medo. Além disso, a pandemia tem sido um desafio às democracias que, assim como a brasileira, recém-conquistada, estão sendo postas em xeque. São incontáveis informações, muitas delas falsas (atualmente chamadas de fake news) e um número de governantes tentando manter a população em segurança, ao contrário de outros.

A democracia, assim como a matemática, deve ser exercitada. É isso o que a autora nos apresenta em “O exercício da Democracia”. Muitos sabem as regras do seu esporte favorito, mas não conhecem as regras da Democracia. Nesse capítulo, ela aborda o fato de se sentir incomodada com o discurso de alguns movimentos políticos e, a título de elucidação, esclarece que: “para mudar, o primeiro passo é pensar bem naquilo que se diz e como se diz” (p. 74).

Em cada momento de nossas vidas, precisamos fazer escolhas. Tais escolhas podem influenciar nossas vidas e as dos outros. Este é o assunto tratado pela autora no capítulo “Invisível e presente”. Por meio de lembranças, Valerio vai expondo seu ponto de vista sobre a matemática relacionada a contextos de vida. Sobre a boneca Barbie, por exemplo, que teve em sua infância e com a qual não se identificava, visto que a boneca representava um senso comum no qual ela não se enquadrava. Ao abordar as cédulas de dinheiro, faz toda uma reflexão sobre repensarmos nossas práticas e atitudes caso queiramos deixar um mundo melhor para nossos descendentes.

De forma muito original, a autora faz toda uma análise sobre Sirius Black (padrinho do personagem central da saga Harry Potter, que é introduzido na história a partir do terceiro livro: Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban). Relacionando essa saga à sua própria história pessoal sobre como usou a matemática como combustível para alcançar seus objetivos, ela narra que Black foi detido em uma prisão em que os guardas (os Dementadores) sugam sua felicidade e determinação. Ele está preso injustamente e em busca de vingança. O ódio é o seu combustível para não ser corrompido pelo sistema carcerário e conseguir fugir da prisão.

Em “Uma questão de representação do tempo e uma tragédia semântica (Butman)”, a autora volta a tratar sobre a pandemia de Covid-19, dessa vez relacionando-a aos morcegos (provável causa do início da infecção) e ao personagem Batman das HQs. Batman é um herói capitalista que, mesmo com todo seu dinheiro, não consegue resolver todos os problemas que afligem ele próprio e a cidade de Gotham, e os morcegos (“irmãos” de Batman) servem como ingrediente para certos pratos exóticos. Está posto o encadeamento de padrões. A matemática nos ajuda também a entender os padrões. As recomendações de médicos e especialistas, por sua vez, seguem um padrão que nos ajuda a diminuir o contágio.

A autora narra, por fim, que passar muito tempo estudando matemática lhe possibilitou não ser questionada sobre determinadas ideias. E arremata argumentando que outras mulheres com as mesmas ideias, mas que não estudaram matemática, provavelmente teriam mais trabalho para conseguirem ser ouvidas.

Como é possível notar, A matemática é política é uma obra atual e que nos faz refletir, no contexto da educação e do dia a dia, sobre como essa ciência pode e deve ser aplicada, não de forma mecânica e decorativa, mas de forma crítica e política.


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Biografia do Autor

Bruno Santos Nascimento, Universidade Nove de Julho (Uninove)

Mestrando pelo Programa de Mestrado Profissional em Gestão e Práticas Educacionais

Márcia Fusaro, Universidade Nove de Julho (Uninove)

Doutorado em Comunicação e Semiótica pela PUC São Paulo

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Publicado

26.08.2022

Como Citar

NASCIMENTO, Bruno Santos; FUSARO, Márcia. A matemática é política, Chiara Valerio, Belo Horizonte: Editora Âyiné, 2021. 103 p. Dialogia, [S. l.], n. 41, p. e22417, 2022. DOI: 10.5585/41.2022.22417. Disponível em: https://periodicos.uninove.br/dialogia/article/view/22417. Acesso em: 13 nov. 2024.

Edição

Seção

Resenhas